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Por
Fernando Lopes
Decisões
Parte I
Torre de Vigilância
da Liga da Justiça, cinco dias atrás
E então, coronel? Conseguiu?
Lamento, Super Nick Fury deixa evidente o desconforto
com as notícias que é obrigado a transmitir
mas a resposta é não.
Posso saber o motivo? a frieza na voz do Super-Homem
demonstra sua frustração.
Bom... Fury se ajeita na cadeira, tentando achar
uma posição. Seu inseparável charuto dança
de um lado para o outro em sua boca Eu poderia dizer que
eles ainda estão putos com a história da MIR e com
a carnificina que o canalha do Savage promoveu só pra pegar
vocês (*) que eu não estaria mentindo. Mas a coisa
vai mais longe. Os caras estão usando essa merda toda pra
ganhar no grito o que não conseguiram no Conselho.
Como assim?
Não sei se você se lembra, mas os russos foram
contra a indicação do Faraday (**) para a chefia
da Comissão de Assuntos Meta-Humanos da ONU, junto com
os chineses e os ucranianos. Ficaram ainda mais mordidos quando
a SHIELD deixou de ser apenas americana e passou a responder diretamente
ao Conselho de Segurança, ainda mais comigo no comando.
E só sancionaram o status mundial da Liga porque a opinião
pública apertou. Fury puxa uma longa baforada do
charuto Agora eles estão tentando dar o troco, manipulando
a opinião pública contra vocês.
Mas isso é um absurdo! o Super-Homem
demonstra irritação pela primeira vez Eles
não podem nos culpar pela loucura de Vandal Savage, e muito
menos pela destruição de Ninji-Novgorod!
Ei, pega leve que eu tô do seu lado!
Fury levanta a voz, sem se importar com o poder de seu interlocutor,
com quem conversa por um videolink via satélite. Sua segurança
não vem dos milhares de quilômetros que o separam
do Homem de Aço, mas de uma longa vida de batalhas e da
consciência de ter sob suas ordens a mais poderosa agência
de manutenção da ordem em todo o mundo Eu
também acho isso tudo uma merda, mas não posso fazer
nada. Os russos proibiram a Liga ou qualquer meta-humano
estrangeiro principalmente americano de pisar em
território deles enquanto Vandal Savage não for
entregue às autoridades de Moscou para ser julgado pelo
massacre de Ninji-Novgorod.
Desculpe, Fury a irritação dá
lugar à amargura no semblante do último filho de
Krypton. É que, para mim, é difícil
de acreditar que não podemos tentar ajudar aquela gente
por causa de política.
Sei exatamente como se sente responde Fury, mais
calmo. Bem-vindo ao meu mundo. Eu aviso se tiver alguma
novidade. Até mais.
Adeus.
O rosto de Nick Fury desaparece do monitor, deixando o Super-Homem
imerso em pensamentos sombrios.
Droga... diz o herói em voz alta para si
mesmo . Isso não pode ficar assim. Não é
justo!
Após alguns segundos de indecisão, o Homem de Aço
deixa a sala de comunicações cabisbaixo rumo aos
teleportadores. Uma diminuta figura, que ouvira incógnita
a toda a conversa, acompanha seus passos com o olhar. "Tem
razão, Super. Não pode e não vai", pensa
Eléktron.
Hospital Geral de Little Rock, Arkansas, EUA, noite passada
2h37
Angelo Gabrielli tenta, em vão, acertar o colarinho do
uniforme policial, que insiste em apertar seu pescoço.
"Diabo de sujeito magrelo", amaldiçoa, pensando
no verdadeiro dono da roupa, que jaz numa das máquinas
da lavanderia, com uma bala calibre 9 mm no cérebro. "Podia
ao menos usar o meu número."
Desde que entrou para a Máfia, ainda garoto, Gabrielli
se acostumou a tratar a morte como algo corriqueiro. Desta vez,
porém, a coisa é diferente. Não por causa
do policial morto minutos antes afinal, não fora
o primeiro e dificilmente seria o último -, mas em virtude
de seu verdadeiro alvo, internado no quarto 1307. Esta noite,
Angelo Gabrielli cometerá o crime que o transformará
no principal assassino da Máfia de Gotham e o fará
cair nas graças das Cinco Famílias. Esta noite,
ele matará a Caçadora.
O pistoleiro percorre os corredores da Unidade de Terapia Intensiva
rápida e silenciosamente, mas da maneira mais natural possível.
Passa por médicos e enfermeiras de cabeça baixa,
evitando discretamente ser filmado de frente pelas câmeras
do circuito interno de TV, até finalmente chegar a seu
destino, na área de segurança. Despreocupado, o
sentinela de plantão levanta-se da cadeira para passar
o turno àquele que julga ser seu substituto.
Cacete, estava na hora! Pensei que eu ia ter que dobrar
de novo. Ué, cadê o Murphy?
Ele não pôde vir responde o assassino,
com um sorriso. Por que não vai fazer companhia
a ele?
O som do disparo à queima-roupa da Beretta 92fs é
abafado pelo silenciador. Gabrielli agarra o corpo antes que ele
caia no chão e abre a porta do quarto às escuras,
jogando-o para dentro e entrando em seguida. O tempo, agora, é
crucial para o sucesso da missão. O assassino fecha os
olhos por alguns segundos, a fim de acostumar-se mais rápido
à falta de luz. Em seguida, aproxima-se da cama, onde lençóis
e cobertores estão embolados sobre o que aparenta ser sua
vítima.
As Cinco Famílias lhe mandam lembranças,
putana. Arrivederci.
O pistoleiro esvazia o pente da arma na direção
da cama. Súbito, a porta do banheiro contíguo se
abre, iluminando o ambiente. Os olhos de Helena Bertinelli e de
seu pretenso assassino se cruzam, para surpresa de ambos. Durante
um segundo que parece durar uma eternidade eles se encaram, estáticos,
tentando entender a situação. A compreensão
do contexto em que se encontram os atinge como uma descarga elétrica,
desencadeando uma onda de movimentos frenéticos e aparentemente
sincronizados. De um lado, Gabrielli descarta o pente vazio da
Beretta e busca desesperadamente por outro em seu bolso; de outro,
a Caçadora esforça-se em alcançar sua balestra,
que repousa sobre o criado-mudo do lado oposto da cama. Os dois
predadores atingem seus objetivos e voltam a se encarar, disparando
quase simultaneamente.
Interlúdio 1 Apartamento de Eel O'Brien
Ele corre pela planície branca, mesmo sabendo que é
inútil. Não olha para trás, pois tem certeza
de que ela está lá. O hálito gelado em sua
nuca o faz tentar ir mais depressa, mas o chão macio prende
seus pés como uma amante submissa e insaciável.
Mesmo assim, ele não desiste. Aperta o passo para ir a
lugar algum, pois a imensidão branca se estende até
onde a vista alcança. Não há para onde fugir,
nem onde se esconder. Apesar disso ou talvez por isso mesmo
ele prossegue em sua corrida desesperada e fútil,
perseguido implacavelmente pela face pálida da morte.
A perseguição continua por uma eternidade, até
que o abraço gélido o envolve. Ele sente o gelo
paralisar suas pernas, impedindo-o de correr. Seu tronco desaparece
sob a fria carapaça cristalina. Erguidos para o céu,
seus braços parecem inutilmente invocar a ajuda divina.
À beira do fim, só lhe resta gritar. Mas nem um
som deixa seus lábios congelados, fadados a permanecerem
eternamente implorando clemência. Tudo o que se ouve é
um silêncio infinito, tão insondável quanto
a alva imensidão da planície. Branca como a neve.
Branca como o gelo. Branca como a morte.
Patrick Eel O'Brien acorda gritando, seu corpo elástico
distendendo-se por todo o quarto. Gotas de suor gelado escorrem
pela sua testa, descendo pelo rosto e pescoço até
o peito arfante. Em seu íntimo, ele sabe que tudo não
passou de um pesadelo. Apenas mais um, dos muitos que o têm
atormentado desde que Nevasca, sob as ordens de Vandal Savage,
o aprisionou em um bloco de gelo na Rússia, semanas atrás.(***)
Por mais de 18 intermináveis horas, o mundo do Homem-Borracha
resumiu-se ao frio avassalador e ao infinito silêncio de
seu túmulo branco.
O'Brien enfrentou a morte incontáveis vezes desde o acidente
que lhe deu seus incríveis poderes. Mais do que alterar
seu corpo, o banho de produtos químicos durante um assalto
modificou sua mente, sua forma de ver o mundo. Para ele, a vida
tornou-se um desenho animado eterno, desenrolando-se diante de
seus olhos. Desta vez, porém, algo deu errado. Não
há nada de engraçado em ficar confinado num esquife
de gelo, apenas esperando pela dádiva de uma morte rápida.
Assim como fez quando descobriu seus novos poderes, Patrick O'Brien
se pergunta se não é hora de mudar de vida.
Interlúdio 2 Madrugada, a poucos quilômetros
da fronteira entre a Ucrânia e a Rússia
(scriiiiiiiiic) < Lobo Vermelho Dois, aqui é
Lobo Vermelho Um. Algum sinal do seu "OVNI"? > (scriiiiiiiiic)
(****)
(scriiiiiiiiic) < Negativo, Lobo Vermelho Um. Deve ter
sido algum defeito no radar. > (scriiiiiiiiic)
(scriiiiiiiiic) < Ou aquela vodka barata que você
anda tomando, Vassily... > (scriiiiiiiiic)
(scriiiiiiiiic) < Deixa de palhaçada, Mikhail!
Eu poderia jurar que vi uma luz brilhante vindo rápido
nesta direção... >
(scriiiiiiiiic) < E tinha o formato de uma garrafa?
Talvez fosse um coquetel molotov gigante, feito com aquela porc...
> (scriiiiiiiiic)
(scriiiiiiiiic) < Vá a merda, Mikhail! Vamos
voltar. Não ganho pra ficar ouvindo suas babaquices. Aliás,
ultimamente a gente não ganha nem pra sair do hangar. >
(scriiiiiiiiic)
Os dois caças se afastam rapidamente. Centenas de metros
abaixo, dois homens respiram aliviados.
Tem certeza de que é uma boa idéia, Eléktron?
Isso vai dar o maior bode...
Invadir o território russo sem licença, desafiar
uma ordem expressa do Conselho de Segurança da ONU e fazer
tudo isso sem o conhecimento do Super-Homem? O que poderia dar
errado? É claro que as coisas ficariam mais fáceis
se eu não estivesse acompanhado por uma tocha olímpica
ambulante, mas nem tudo é perfeito.
Ei, o que é que você quer que eu faça?
Ronnie Raymond coça a cabeça, preocupado.
Ele não esperava voltar a colocar os pés na Rússia
novamente, ainda mais daquela forma. E agora, o que faremos?
Antes de tudo, transforme-se novamente em Nuclear. Continuaremos
até chegarmos às ruínas de Ninji-Novgorod.
Isto é, se conseguirmos ser um pouco mais discretos...
Ronnie Raymond dá lugar à figura brilhante de Nuclear.
... o que, particularmente, acho que vai ser meio difícil.
suspira Eléktron.
E depois?
Vamos tentar remediar um pouco a tragédia causada
por Savage.
Hospital Geral de Little Rock 3h45
A dor excruciante no abdome já é uma velha conhecida.
Pela primeira vez, porém, é sentida com alegria.
"Sinto dor, logo, existo", pensa a Caçadora.
O ardume no pescoço, entretanto, é novo para ela.
Helena passa a mão no local e percebe o curativo, ligeiramente
úmido. Percebe também que não está
mais no chão, mas de volta à sua cama. Ao seu lado,
uma enfermeira mais parecida com um sargento folheia distraidamente
uma revista. Quando nota a movimentação da paciente,
levanta-se e tira sua temperatura.
Como se sente?
Como um chiclete mascado responde a vigilante, azeda.
E o outro?
No necrotério. Você é mesmo boa com
essa coisa a enfermeira aponta para a balestra.
Meteu a flecha bem no meio da testa do sujeito.
Eu estava mirando no ombro...
Então errou feio. Sorte sua, azar o dele.
Pareço sortuda para você?
Só se considerar estar viva uma sorte. Ex-namorado?
Presidente do meu fã-clube. Helena sorri
com a conversa boba, mas até o sorriso lhe traz dor. "Droga,
o Morcego vai ficar puto com essa história", pensa
a vigilante, antecipando a reação de Batman. "Bem,
paciência. Ele nunca foi mesmo com a minha cara."
A polícia tá doida pra te fazer umas perguntas.
Imagino. Tenho como fugir disso?
Para todos os efeitos, você ainda não acordou.
O doutor O'Malley está tentando entrar em contato com seu
pessoal. Eles devem dar conta disso quando chegarem.
Espero que sim.
Gotham City 3h58
A luz vermelha piscando no painel do Batmóvel indica alguém
tentando contatá-lo no canal prioritário. O rosto
de Barbara Gordon, ainda inchado de sono, aparece na tela do videocomunicador.
Fale, Oráculo.
Bom dia pra você também. Temos problemas,
para variar. Fóton me ligou da Torre. Tentaram matar a
Caçadora no hospital.
O quê?
É isso aí. Mas ela está bem, só
levou um tiro de raspão no pescoço.
E o assassino?
Morto. Com uma flechada na testa.
Diabos!
Parece que ela não teve escolha.
Talvez. Mas não posso me preocupar com isso agora.
Precisamos colocá-la sob vigilância. Podem tentar
novamente.
Não devem fazer isso tão cedo. O lugar está
cheio de policiais agora. Fóton estava tentando contatar
o Super-Homem.
Mantenha-me informado. Vou ver o que descubro nas ruas.
Certo. Oráculo desligando.
"Não é difícil imaginar quem está
por trás disso", raciocina o Homem-Morcego. "Desde
que começou a agir como Caçadora, Helena tem sido
uma pedra no sapato das Cinco Famílias. É óbvio
que eles resolveram aproveitar a oportunidade. Só me resta
saber quem foi o mandante. E acho que sei onde descobrir."
Na próxima
edição: Enquanto Batman bate de frente com a
Máfia em Gotham, Eléktron e Nuclear tentam minimizar
os efeitos da tragédia de Ninji-Novgorod, ainda que tenham
de enfrentar a Guarda Invernal para isso. O destino da Caçadora
nas mãos do Doutor Estranho e a uma decisão que
vai mudar a vida de Eel O'Brien.
:: Notas
do Autor
* Em Liga da Justiça # 07,
do Hyperfan;
** King Faraday, ex-chefe do Departamento de Operações
Extranormais dos EUA, foi escolhido chefe do Conselho para Assuntos
Meta-Humanos da ONU pouco tempo depois de Massacre quase destruir
Nova Iorque. Preocupada com o aumento dos confrontos com meta-humanos,
o Conselho de Segurança da ONU acabou aprovando a indicação
de Faraday. Na mesma época, a SHIELD passou a responder
diretamente ao órgão, deixando de ser uma agência
governamental americana.
*** Ainda em Liga da Justiça # 07;
**** Traduzido do russo.
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