|
Por
Rafael Borges
França. Dezembro de 1917
Tal era o tempo, que os aviões ficaram retidos no solo até o meio da manhã. Quando os triplanos finalmente conseguiram levantar vôo, herr Hans Von Hammer, líder da esquadrilha alemã, rogou para não perder nenhum homem ou máquina para o frio antes que enfrentassem o inimigo.
Não demorou muito, a artilharia antiaérea se fez ouvir. Ao mesmo tempo em que os soldados britânicos disparavam seus canhões do chão, surgiram as aeronaves inglesas que se ocultaram entre as nuvens carregadas. Inclementes, seus disparos rasgavam os céus como traços de nanquim sobre o papel branco.
A formação da esquadrilha alemã estava comprometida. O triplano pilotado por Weiss foi o primeiro a cair. Não demorou muito para que Kraus, um de seus colegas, também fosse derrubado. Sem tirar o olho da mira, Von Hammer pressionou o gatilho e a metralhadora cuspiu fogo incessantemente, derrubando a aeronave inglesa que alvejou seu compatriota.
O ás alemão ouviu as balas de outro avião inimigo transpassando as asas de seu Fokker. Ele forçou o manche para trás, como se fosse arrancá-lo. O resultado foi um espetacular looping, que deveria pegar o piloto britânico desprevenido. Infelizmente, este antecipou a manobra e contra-atacou.
O triplano de Von Hammer começou a perder altitude.
Suba! ordenou.
O trem de pouso começou a se entrelaçar nas trincheiras inimigas.
Suba! repetiu, sem resposta alguma.
A fumaça negra deixou um rastro funesto. Pela primeira vez desde o início da grande guerra, o Fokker vermelho que simbolizava toda a aeronáutica alemã foi ao chão. Hans Von Hammer, o piloto que ficaria mundialmente conhecido como o Ás Inimigo, foi finalmente derrotado.
Virgin Killer (*)
Berlim, Alemanha. Hoje
Nein! grita Sabine Von Hammer.
É a única reação que ela poderia ter ao ver o Capitão América arrebentando a vidraça da janela de seu quarto com o escudo e entrando em sua casa com um salto preciso.
Segundo a polícia alemã, que realiza um cerco ao redor da casa, a garota de dezesseis anos e seus pais estão sendo mantidos como reféns de dois seqüestradores nesta luxuosa mansão em um dos mais abastados bairros da capital alemã.
Sorte que Steve Rogers estava na cidade. Vindo diretamente de Hong Kong, ele ajudou a escoltar os terroristas Fenris, que foram deportados pelo governo chinês para cumprir pena em sua terra natal. Quando ficou sabendo pela mídia do impasse, não perdeu tempo e se ofereceu para invadir a cena do crime e resgatar as vítimas.
Afinal, Rogers acredita que sua hesitação foi parcialmente responsável pelas mortes no tsunami de alguns dias atrás. (**) Se sua intervenção tivesse sido mais rápida, talvez todas aquelas mortes pudessem ter sido evitadas.
Talvez.
E ele não pretende correr o risco de que algo parecido aconteça novamente.
Calma, garota. sussurra o Capitão para a menina assustada, que se contorce de pavor sobre os lençóis cor-de-rosa de sua cama Vou tirar você e seus pais daqui. Mas tem que ficar quietinha, ou os seqüestradores vão nos ouvir.
Nein... o pavor é tamanho que Sabine só consegue balbuciar a mesma palavra.
Neste momento, o Capitão América volta sua atenção para a porta do quarto. O som dos passos vai ficando cada vez mais próximo, até que a fechadura range delicadamente, e um dos seqüestradores entra no cômodo todo ornamentado com motivos infantis.
Tudo bem por aqui? pergunta, em alemão, com a arma em punho. Só tarde demais ele se dá conta de que a garota não é mais a única pessoa que se encontra naquele quarto.
Com uma rapidez que desafia qualquer descrição, o sentinela da liberdade parte para o ataque. Como um encouraçado, colide contra o seqüestrador usando seu escudo para desarmá-lo. O criminoso vai ao chão e sua pistola desliza pelo assoalho bem lustrado, parando apenas quando já está embaixo da cama, longe do alcance.
Onde estão os pais da menina? questiona o Capitão América, com seu alemão enferrujado, mantendo seu oponente imobilizado contra o chão.
No outro quarto... responde o criminoso, quase sem ar.
Danke! Steve Rogers agradece o seqüestrador com um golpe que o faz perder a consciência. Depois, se volta para orientar a pequena Sabine Fique aqui. Tudo vai terminar em breve!
O que está acontecendo aí em cima? indaga o segundo seqüestrador, que guardava a porta de entrada no andar de baixo.
Escondido no topo da escadaria, o Capitão América consegue ver o criminoso sem ser visto. Seria apenas necessário cruzar o mezanino para chegar ao quarto do casal e libertar todos os reféns. Mas, para isso, ele entraria no campo de visão de seu oponente e fatalmente seria alvo de disparos. Além disso, intrigado pelo som da luta, o seqüestrador se aproxima. É apenas uma questão de tempo até sua posição estar comprometida.
A solução é partir para o combate.
Ao mesmo tempo em que salta do topo da escadaria, Rogers arremessa seu escudo indestrutível na direção de seu inimigo. Poderia parecer uma estratégia equivocada abrir mão de sua única proteção, não fosse a mira certeira do herói americano.
O escudo atinge seu alvo, desarmando o seqüestrador e quebrando dois dedos da mão que segurava a pistola. Sem tempo para assimilar a dor, o inimigo é rapidamente dominado pelo Capitão.
... disse que não haveria intromissão! esbraveja o criminoso caído, antes de receber o golpe que o faria perder os sentidos.
Steve Rogers amaldiçoa sua falta de prática no idioma alemão. Não foi possível entender as palavras do rapaz. Quem garantiu aos seqüestradores que não haveria invasão? Seria possível que esses dois bandidinhos sem organização alguma têm um contato infiltrado na polícia de Berlim?
As perguntas ficam para depois. O Capitão pega seu escudo do chão e sobe a escadaria em um só fôlego. O soro do supersoldado impede que ele sinta qualquer sinal de cansaço depois de toda essa agitação.
O quarto do casal fica no final do corredor. Ao atravessar a porta, percebe que os pais da menina estão mortos. Tamanho é o estrago nos corpos das vítimas que eles parecem ter sido assassinados por golpes de marreta. Durante a Segunda Guerra e em inúmeras ocasiões posteriores, ele presenciou a morte de perto. Mas nunca se está suficientemente preparado para uma cena como esta.
Sua surpresa é dobrada ao escutar o som de disparos às suas costas. Não fossem seus reflexos amplificados, ele não seria capaz de se defender, buscando refúgio atrás de seu escudo.
Eu os teria matado com minhas próprias mãos, se tivesse a força. Então arrumei quem pudesse resolver o problema. afirma a pequena Sabine, segurando com mãos trêmulas a pistola que o Capitão América descartou há alguns minutos. Devido à boa educação, seu inglês apresenta um sotaque bem leve Meu avô foi um famoso herói da Primeira Guerra, sabia? Eu aprendi com ele a fazer, sem medo, o que for preciso para vencer.
Por um instante, o Capitão observa a garota a sua frente. Em sua camiseta, a estampa de um personagem infantil contrasta com a mancha de sangue ainda fresco. Como deixou de perceber essas pistas antes?
Eu conheci Hans Von Hammer em um hospital da Ilha de Föhr, pouco antes de morrer. explica o soldado Ele era um homem honrado. Nem mesmo durante a guerra teria matado alguém com as próprias mãos, e muito menos de forma premeditada.
Percebendo que a garota hesita ao som de suas palavras, ele lança o escudo uma vez mais. Com mais sutileza do que nos arremessos anteriores, dessa vez apenas desarma a assassina, sem ferí-la. Quando percebe que ela está indefesa, o americano mostra que guardou todo seu rancor para as palavras:
Não culpe seu avô por suas ações. diz Steve Rogers, em tom inflamado A maldade que você cometeu aqui só teve raiz na sua própria alma.
:: Notas do Autor
(*) O título desta edição faz referência ao álbum de mesmo nome da banda alemã Scorpions, lançado em 1976. Da mesma forma, o título da edição passada parafraseou o maior clássico do conjunto, "Rock You Like a Hurricane". A cena inicial desta edição, que conta a única derrota de Hans Von Hammer, remete à graphic novel "Ás Inimigo Um Poema de Guerra", de George Pratt. 
(**) Como visto na edição anterior. 
|
|