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Por
Conrad Pichler
Acredite: Você Pode Voar com os Pés no Chão
"Acordo. O som do pub e do vidro estilhaçando me toma a lembrança. Assim como o bar foi invadido pelo crápula de mil braços, me senti violada pelo sorriso cínico e o olhar milimétrico daquele homem vestido de negro. Eu não posso dormir com essa dúvida na cabeça: por que UnT roubou a grana do Octopus, porque o Gato Negro quer a todo custo reaver o dinheiro? Sei que é muito dinheiro, mas ele é somente um garoto?! Com dons mutantes talvez, mas por que se meter com o Octopus? E aquele Gato, não fez parte do plano, nem da divisão do dinheiro... onde entra na jogada?"
"Levanto e pego a mochila, sinto que não devo deixá-la no meu AP, desço os dois lances de escada, ando até a porta arrebentada de UnT e uma luz de vela ilumina, trêmula, o interior... me aproximo e olho para dentro... o garoto sentado no chão, de costas apoiadas no braço do sofá... ao lado, ele segura uma colher sobre a vela, derretendo algo... "
UnT? "entro e olho o interior, as paredes, os pôsteres e o nazista Magneto. Ele rosna como um cão e ..." UnT, me diz quem é o cara de preto! "ele mexe a cabeça em semicírculo" UnT?!
Fa... la... fala! "ele está fora de si, dou um passo e ele se deita no chão e apaga a vela, o quarto está na penumbra. Mesmo assim, posso ver sua mão tateando o chão e refletindo a pouca luz do ambiente."
"Dou dois passos barulhentos e ele fixa três dedos no assoalho... meu caminhar faz tanto barulho que o som aumenta invadindo as paredes... movendo de lá pra cá as estruturas... quebrando vidros e me fazendo... rodar em anéis cada vez maiores, de tão alto o som de passos... me faz rodar... no chão que pulsa em ondas do ar... som... barulhentos passos... som destrutivo... mexe com meu equilíbrio... me faz cair e... cair por dentro de um chão móvel, plástico... dissolvido em ondas de som de passos... até que pára."
"Ainda estou girando, sinto náuseas quando penso nos prédios altos e no vôo. Lembro da primeira vez que subi ao terraço do hospital, à noite, fugidia e com medo... a ânsia e o enjôo me tomaram ao abrir a porta que dava ao ar livre... foi a primeira porta que abri e encontrei o que queria que estivesse ali. Na corrente de vento, meus cabelos, ainda curtos, giravam em si, no ar e meu equilíbrio se desfazia... tonteiras e balanços... eu vi o esplendor das luzes em prédios altos... caminhei até a beirada, até o parapeito, me apoiei nele e a náusea se desfez numa sensação de prazer e plenitude, que só a isenção na altura me faz sentir... isenção de quê? De lembranças e de cheiro de éter que é constante em hospitais... sabia que a náusea e a ânsia eram dos medicamentos e do fato de ter levantado depois de dois meses na cama... após ter ficado estática no espaço restrito e no tempo passado... ali eu tinha mais: tinha um céu e tinha a mim... "
"Os círculos que provêm de meus ouvidos são menores, olho para o teto e tudo está no lugar, no AP de UnT, levanto com aquele zunido, que vai e vem, mas sem maiores problemas, olho para o garoto na penumbra e suas mãos e rosto estão refletindo a luz... do lado, uma seringa com um pouco de sangue e um líquido derramado da colher... droga!"
"Eu sento nos calcanhares, viro o rosto do rapaz para cima, ele está frio, mas vivo, não dá para deixar meus pensamentos parados, não posso refletir, tudo está girando, mas agora por dentro, UnT usa... consome viciosamente toxinas, que droga... ele usa drogas, e está se matando. Me vem a mente que é aí que nos distanciamos, no ponto onde eu subi no parapeito e pulei, por que acreditava que voaria para o céu, por que já sabia que podia, mesmo sem muita certeza, e ele que se jogou do alto de prédio imaginário para alcançar mais rápido o chão, as drogas são os pesos presos aos pés dele, os mesmos pesos que deixei na cama, no dia que acreditei e caminhei por mim mesma."
"Não dá para esquecer a cena que brota na minha mente: o vento que bate no meu rosto... gelado, quase ártico. Eu ainda sinto... tanto... sinto a falta do meu amor, morto no acidente. Com o pé descalço nesse cimento do terraço... a aspereza comum, confortante... posso sentir o chão, sentir o vento que aperta. Abro os braços, a aspereza do chão dá lugar ao frio do mármore do ar do parapeito, do nó no estômago. O vento sopra forte, quase me arranca do chão se eu não me segurasse... mas, é para isso que estou lá, para não segurar... pulo... salto... vôo!!! "
"Agora lembro do que me impulsionou, foi a vida. Eu pensava: 'Dá para sentir?' Respondia: 'Dá.' Pensava: 'É bom?' Respondia: 'É.' Pensava: 'Ele disse... viva!' Respondia: 'Eu tinha medo... mas... viver... é...' Pensava: 'Então grita...' Gritei: 'Viva! Eu estou viiivaaa!!!' Lembrei, ele disse: 'O amor...' Eu me lembro: 'É como pular de um prédio...' Ele, de alguma forma, sabia: 'Se tiver coragem de pular, a lei da gravidade faz o resto, depois é usar os braços para planar... sabe? Que nem um esquilo voador... e aproveitar a vista.' Meu namorado sabia que eu podia voar, ele sabia o que podia fazer e, agora, que acredito, também sei e faço."
"Eu, com os pés descalços no mármore de um parapeito, num prédio alto, pulei, um salto, viva. Planei sobre a rua... meus braços abertos... a rua... as crianças... os carros... a vida. Penso: 'Estou aqui! Viva, voando... sorrindo... e não posso deixar que os outros se joguem', por que muitos não sabem quais são os seus desafios, qual é o 'salto' que cada um tem de dar para chegar onde quer, não, não é pular de prédios, suicidar-se, como que usando drogas, é encarar a vida e os desafios, por que eles existem e aparecem, para mim 'pular' é viver e o vôo... a recompensa."
"UnT abre os olhos, ainda inchados, me reconhece e se recolhe como um animal fugindo... ele vê a mochila com os três milhões largada no chão. Mesmo acordado, está fora de si, e engatinha até a mochila, agarrando-a freneticamente... grunhe e arfa... o zunido volta mais forte e penso que os poderes mutantes do rapaz se descontrolaram mais uma vez, mas o som que ouço é Octopus entrando... lançando o resto da porta, os móveis e tudo o mais para longe... ele distingue o jovem na escuridão pela palidez e pela mochila vermelha, e é ela que ele quer, agarrando o menino com seus mil braços... seu rosto, mesmo nas sombras, refletem o sorriso... que quase se desfaz quando me coloco ali, ante a janela... ele me arremessa com a força de uns tantos braços, junto com um sofá, através do cômodo, para fora da porta... caio pela escada, cujo corrimão me protege do peso do móvel... quando me desvencilho desse lixo, corro para o AP, mas UnT e Octopus desaparecem... pela janela, nas sombras do prédio vizinho, nesse instante ouço o alvoroço de uns poucos condôminos que acordaram com os sons metálicos de Octopus... e a 'algazarra' de UnT, que não ocorreu somente dentro do meu ouvido interno... antes de que alguém me pergunte o que estava acontecendo, salto pela janela com força... vou encontrar Octopus e UnT... eu vou!"
Próxima edição: Iris enfrenta, até o fim, Octopus! UnT encontra o fim do caminho que escolheu! E o Gato Negro retomará o que é seu?
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