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Super-Homem / Matrix - As Idades do Homem # 03

Por Fábio Fernandes

Homem de Sangue

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É um dia em 1999?

Ou é noite?

Você não sabe.

Desde que o agente Smith e seus colegas o levaram sob custódia, você tem sido mantido incomunicável Na verdade, você não acha que tenham se passado mais do que algumas horas, mas as experiências que viveu ultimamente já o desorientaram bastante.

Pelo menos você não foi de boa vontade; não, você não seguiu manso para dentro da noite calma, como dizia aquele poema antigo de Dylan Thomas. Você colocou para fora toda a sua antipatia para com esse agentezinho medíocre que esconde covardemente os olhos por trás dos óculos escuros e lhe desferiu um soco no meio das fuças — com seu braço direito, claro. Pela primeira vez, você agradeceu a falta de superpoderes.

Isso até que os guardas — surgidos você não sabe de onde, e em enorme quantidade — subjugassem você por completo, caindo em cima de seu corpo como um time inteiro de futebol americano.

A cena seguinte em sua memória (os eventos estão cada vez mais rápidos, sua vida começa a parecer um filme mal editado) é a contenção em uma sala branca, com poucos móveis. Tudo em tom verde-escuro.

E depois a espera. Contínua e interminável.

Você tenta matar o tempo pensando em possíveis suspeitos.

Terra-Man? Com tecnologia alienígena, praticamente tudo é possível... mas aquele caubói ignorante não teria imaginação para criar uma ilusão tão refinada.

Homem de Kryptonita? Não, mas isso faz você pensar.

E se você sofreu envenenamento por kryptonita vermelha?

Mas a ilusão lhe parece muito consistente. Seria preciso que as coisas ficassem ainda mais bizarras para você levar a sério essa hipótese.

Hm... Teria sido obra do Bizarro?

Então, à sua frente, a porta branca da sala se abre.

— Olá, senhor Kent. — diz a carantonha feia do agente Smith, com seu sorriso cheio de dentes e sem a menor sinceridade — Está sendo bem tratado?

Você não se dá ao trabalho de responder. O agente puxa uma cadeira e se senta ao seu lado. Você o estrangularia, se suas mãos não estivessem algemadas à cadeira por trás.

O agente retira um lenço do bolso do paletó, tira os óculos e começa a limpar as lentes, olhando para baixo enquanto fala. Você não consegue ver a cor dos olhos dele.

— Isto pode durar cinco minutos ou cinco horas, senhor Kent. — ele diz, imperturbável — Depende de você.

— O que depende de mim? — você pergunta. Mas já sabe a resposta.

— Descobrirmos a localização de Zion.

Por uma fração de segundo você hesita. E logo depois é que percebe que se passou bem mais do que uma fração de segundo. Você não tem mais superpoderes, lembra?

Subitamente você tem uma vontade enorme de perguntar a esse agentezinho o que exatamente ele sabe sobre Bruce, Zion e essa papagaiada toda, mas a prudência é maior. Melhor é tentar descobrir o quanto ele sabe.

— E por que eu faria isso? — você pergunta.

O agente Smith levanta a cabeça e pela primeira vez você vê os olhos dele. São castanho-escuros. Não têm nada de demoníaco ou de mecânico.

— Sabe... — ele diz, com um certo aborrecimento na voz — Na minha opinião, o lote de vocês deveria ser jogado fora. Esta experiência está demorando demais para dar certo.

Mas antes que você possa perguntar o que ele quer dizer com isso, Smith leva a mão ao ponto eletrônico em seu ouvido direito. A mensagem é evidentemente uma notícia ruim, pois Smith arreganha os dentes como um animal raivoso. Vira-se para você e diz:

— Você tem visitas, sr. Kent. Pena que não chegará a vê-las.

Uma explosão distante faz a sala estremecer de leve. Smith solta um palavrão baixinho e se levanta bruscamente. Mas, antes que consiga chegar à porta, outra explosão a arrebenta. Vocês dois caem com o impacto.

O pó de caliça levantado com a detonação cega você por algum tempo, mas não o impede de sentir uma forte ardência nos pulsos.

— Não ligue para a queimadura. — uma voz rouca diz no seu ouvido — Ela não existe. — e você é levantado de maneira brusca. A pessoa que, de algum modo, conseguiu libertá-lo das algemas, praticamente o arrasta corredor abaixo, com uma força que você (agora tão mais fraco) nunca tinha percebido em outro humano antes.

Quando seus olhos param de arder é que você consegue reconhecer seu salvador.

— Oliver...?

— Flecha com ácido. — ele diz, tentando ler a sua mente, o palhaço — Vou te contar, o arsenal virtual do pessoal de Zion é melhor do que o que eu tinha quando era rico. — solta um muxoxo — Máquinas capitalistas desgraçadas. E, a propósito, meu nome aqui é Target.

Você pensa em alguma coisa para dizer, mas não há tempo. Atrás de vocês, Smith e outros agentes começam a encher o corredor, aproximando-se cada vez mais. O homem que você conheceu um dia como Arqueiro Verde (e que agora veste uma roupa de couro verde-escuro) ergue uma mistura de rifle com besta e dispara um petardo que praticamente arrebenta o corredor. A onda de choque lança você para a frente. Oliver (ou melhor, Target; você não vai se acostumar com esses codinomes bobos) levanta você novamente e o leva na direção da porta de incêndio.

— Desça dois lances de escada. — ele orienta — O primeiro andar possui apenas uma porta. Se o Operador calculou direito, ela leva a uma sala com telefone. Use-o!

— E você?

— O que é que você acha? — Target diz com uma cara de pouquíssimos amigos — Vou salvar a sua pele, ora. Assim que eu acabar com esses babacas aqui eu vou também. Agora se arranca, caralho!

Você tem vontade de dar um soco nele, mas é preciso manter o sangue frio. Esteja você onde estiver, seja isto o que for, você de algum modo ainda está vivo. E Oliver Queen (pelo menos você acha que o sujeito louro de bigode espesso e cavanhaque ridiculamente partido ao meio seja Oliver Queen) está ajudando. Se ele faz parte do grupo de Lúcifer, ou não, é outra história. E pode ficar para mais tarde. O que importa agora é sobreviver.

E você passa pela porta de incêndio.

Desce correndo os dois lances. Acima, mais uma explosão. Você tenta aguçar os ouvidos para saber o que está acontecendo. Já está ficando chato perceber que não tem mais superpoderes.

Então você chega ao primeiro andar. O corredor é, felizmente, bem mais curto que o do andar em que você estava antes. A única porta está à sua frente: é de madeira branca, tem uma maçaneta de bronze polido e algarismos do mesmo metal, que formam o número 101.

Você gira a maçaneta e abre a porta.

O aposento é pequeno e, à exceção de uma pequena mesa no centro, não contém nenhum móvel. Nem telefone.

Em pé ao lado da mesinha, um homem olha para você. Ele tem a sua altura, rosto arredondado e olhos pretos frios. Não tem cabelos.

— Luthor.

— Pode me chamar de Arquiteto. — ele diz.

— Então é você o responsável? — você pergunta.

— Por salvar a raça humana de suas loucuras? Pode ter certeza de que sim. — e, sem lhe dar tempo de retrucar: — Você acreditou em tudo o que o sr. Wayne lhe contou?

— Não. — você responde.

— Pois deveria. Ele disse a verdade.

— A verdade?

O Arquiteto esboça um ligeiro sorriso com os cantos dos lábios.

— Cada um tem a sua verdade, Clark. — ele responde — A de Bruce é que o mundo inteiro é uma grande conspiração. O que, como você viu até agora, não deixa de ser correto, de certa forma.

— E para mim? — você pergunta, consciente de que pode não gostar da resposta — Qual é a minha verdade?

— Você é o ser mais poderoso deste mundo. — o Arquiteto responde — Você é uma figura mítica, o ponto fulcral em torno do qual tudo o mais gira. Sem você, não há equilíbrio. O mundo acabaria.

— Esta não é a minha verdade. — você diz — Isto é o sonho de um megalomaníaco, de um ditador.

— Não, Clark. — o Arquiteto corrige — Isto é a programação da Matrix. Isto é a necessidade de sobrevivência de uma espécie.

Você começa a sentir uma ligeira náusea.

— Então isto aqui é de fato uma realidade virtual? — você pergunta — Tudo isto é uma ficção?

— Sim e não. — responde Luthor — Esta sala na qual estamos, de fato, não passa de um agrupamento de pixels. Mas, por outro lado, o chamado mundo real, com seus elétrons e seus imensos espaços entre cada partícula, é menos vazio?

— Por favor, filosofia oriental para cima de mim, não.

— É interessante observar o seu preconceito contra tudo o que não é americano. Isto não havia sido programado.

— Então vocês falharam.

— De jeito nenhum. — ele diz, e o sorriso no canto dos lábios do rosto odioso aumenta um pouco mais — O leque de possibilidades calculado contemplava essa alternativa. No fim, você fez o que era esperado.

— E com que finalidade?

Então Luthor sorri. Um sorriso que parece não caber de forma proporcional no rosto. Como se tivesse sido mal configurado em algum software vagabundo de 3D.

— Pensei que você nunca iria perguntar. — ele diz, fazendo um gesto para a parede à sua direita. Uma parede que até poucos momentos atrás não tinha nada.

E agora tem uma porta.

— Além daquela porta — diz Luthor — estão as respostas que você procura. Basta passar por ela.

— E tenho outra opção?

— Sempre há opções. — Luthor explica — Mas nem tudo é possível. Sem uma reconfiguração completa, não temos como devolver seus poderes.

— Mas essa reconfiguração completa...

— ... eliminaria sua personalidade. E você não quer isso, acertei?

— Você leu a minha mente. — você responde, cansado, sem a menor ironia.

Que outro caminho tomar? O que fazer senão se deixar levar, e — até certo ponto — manipular por esses inimigos?

Apesar de tudo, entretanto, você continua certo de que no final a verdade e a justiça triunfarão. Você já sofreu reveses — muitos — ao longo da vida. Você chegou até mesmo a morrer. Mas você voltou. Você sempre volta.

Não importa o que digam: comparado aos humanos e à maioria esmagadora dos alienígenas com os quais se defrontou no passado, você é indestrutível.

Por isso você aceita o desafio. E abre a porta.

Por um tempo, tudo é escuridão. Você não sente absolutamente nada. É isso o que significa estar morto? Você tenta puxar do fundo da memória o que sentiu durante o período imediatamente seguinte ao ataque de Apocalypse. Mas não consegue se lembrar.

Então o nada acaba.

Lentamente, você volta a sentir seu corpo inteiro. Cabeça, tronco e — felizmente — membros. Tudo está no lugar.

Mas há algo de errado. Você não consegue mover um músculo sequer.

— Ele está online. — diz uma voz eletrônica de algum ponto que você não consegue localizar. Parece um zumbido. De um milhão de abelhas. O som é incômodo. Parece vibrar nos seus dentes.

O que não corresponde à realidade.

Você só percebe o que há de errado quando subitamente um disco espelhado é colocado diante de seus olhos. Que brilham vermelhos num crânio metálico.

Você já viu esse rosto antes.

Metallo.


Continua.




 
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