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Falcão Noturno - Mortos-Vivos # 03

Por Eduardo Regis

O Sangue de Chicago

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"Desconfio do que Redsong disse. Sua voz se exauriu de emoção. Foi estranho. Pode ser parte de uma armadilha, mas quem se importa? Sou mais esperto do que todos esses dementes juntos."

Do alto de um galpão próximo, já dentro da fábrica Benson, o Falcão observa o galpão de tingimento com suas lentes infravermelhas.

"Oito homens. Sete escondidos. Dá para dizer pela postura. Um está em evidência. O Barão."

O Falcão pula para a altura do chão e anda até a porta do galpão. Ele a empurra o suficiente para deixar um pouco da luz de fora entrar, quer ter certeza de que será visto. Ele fecha a porta, fazendo o galpão se preencher de escuridão novamente, e caminha em direção ao homem à mostra.

A figura que está no meio do galpão ajeita sua cartola e chacoalha uma bengala cheia de penduricalhos enquanto se aproxima do Falcão Noturno.

— O grande Falcão Noturno! Protetor de Chicago e dos inocentes...

— Você entendeu tudo errado, seu doente. — o Falcão pára, ajeitando suas lentes para melhorar o foco da visão infravermelha.

— Será mesmo? Então me diz que diabos você resolveu vir fazer aqui! — o Barão sorri.

— Pegar esses seus dentes e arrancar um por um enquanto cavo sua cova. Parece uma boa idéia? — as mãos do Falcão procuram pelas bombas de fumaça em seu cinto.

— Ha! — o homem negro com a maquiagem de caveira se surpreende com a ousadia da resposta.

— Você causou a morte de pessoas demais com esse seu pó de zumbi. Um homem entrou em estado psicótico, assassinou diversos negros e depois os comeu no jantar por sua causa! Não dá para simplesmente não trucidar você por causa disso.

"Um dos homens levantou. Ele está mirando. Desgraçado. Uma bomba de fumaça entre mim e o Barão, e ele não vai saber onde atirar."

O Falcão Noturno agarra uma bomba em seu cinto e joga na direção do Barão. Uma cortina de densa fumaça se ergue entre os dois.

— Seus capangas vão ter que ter muita coragem para atirar agora, Barão!

— Barão Samedi, para os que querem me trucidar. — ironiza o vilão.

— Barão Samedi, como a entidade do vudu. Muita pretensão se considerar quase um deus. — o Falcão se prepara para atacá-lo.

Você não sabe do que eu sou capaz! — um grito ecoa pelo galpão.

Um soco atinge o Barão direto na mandíbula. O Falcão se retira do alcance do Barão.

"Fala demais."

Duas bombas voam até cairem perto de algumas caixas mais ao fundo. Elas explodem violentamente e o barulho de caixas se quebrando se mistura aos gritos de homens. Um incêndio começa e quem pode, foge.

Falcão!!! — o Barão se irrita.

— Aqui. — um outro soco agora atinge a boca de estômago do Barão, que mesmo com dor ainda é capaz de se agarrar ao Falcão Noturno.

O Barão choca sua face contra a máscara do Falcão. Os olhos hipnóticos do vilão entram em confronto direto com o amarelo vazio das lentes do vigilante.

Ajoelhe perante seu barão!

Uma joelhada joga o Barão para longe.

Malditas lentes! Malditas lentes! Elas bloqueiam meu olhar! — o Barão se apoia em sua bengala e fica alerta para o próximo movimento do Falcão — Essas lentes te protegem, não é? Não do pó. Não do poder do pó! — os olhos do Barão saltam.

O Falcão avança e agarra a cara do vilão, apertando-a. Ele o joga para trás.

— Seu pó não vai me fazer nada. Eu vim preparado para você! Estudei os efeitos do seu pó! Eu sei que você é capaz de colocar as pessoas em um transe hipnótico!

"Só não sabia que ele podia fazer isso com seus olhos também, um golpe de sorte minhas lentes bloquearem seu poder. "

Um chute atinge o peitoral do Falcão Noturno, jogando-o para longe do Barão. A dor o faz parar por alguns instantes. Ele ainda amarga os ferimentos da luta da noite anterior.

Não! Não veio preparado. Meu pó é muito mais complexo do que isso! Foram anos de estudo na universidade. Depois veio o estranho meteoro e eu dormi. Foram anos até que eu acordasse. Quando levantei, descobri que tinha o que faltava para completar o pó.

As portas do galpão se abrem. A fumaça das bombas começa a escapar, sendo levada para a noite lá fora. Lentamente, tudo vai se tornando mais nítido e o barulho de dezenas de passos se faz presente. O Falcão olha para trás. Surpresa. Cerca de quinze pessoas, entre homens e mulheres, avançam munidos de paus, pedras e armas de fogo.

— Você achou que eu não estaria preparado. Você achou que eu era mais um criminoso ordinário, mas eu sou mais. Agora você vai saber quem é o Barão Samedi! Vai sentir o poder que flui de meus olhos, de meu pó! O poder que eu possuo sobre a mais maravilhosa e útil máquina existente: a mente humana! O Barão possui muitos braços, o Barão comanda e seus zumbis obedecem! Morra!

O Falcão se vira para enfrentar a multidão que se aproxima. As pessoas correm e mergulham para cima do vigilante. Entre socos e pauladas, o Falcão derruba alguns, enquanto outros tentam segurá-lo. Ele procura pelas bombas de gás sonifero, acha uma e a joga no chão. O gás começa a se espalhar, misturando-se a fumaça das outras bombas, mas parece que não há qualquer efeito.

"A merda do controle do Barão deve torná-los extremamente resistentes graças a este estado de excitação constante. Assim como em Burringam. O homem parecia um animal descontrolado, igual a estas pessoas. Elas seguem as ordens dele com o máximo de dedicação e disposição. Não há outro jeito, vou ter que derrubá-los. Um golpe preciso no diafragma de cada um deve ser suficiente para colocá-los fora de ação. Mas não com as mãos, elas seriam inúteis contra esssas pessoas. Preciso de algo, preciso da bengala do Barão."

O vigilante salta para trás em um movimento acrobático impressionante. Ele cai entre dois "zumbis", e com uma rápida rasteira consegue se desvencilhar deles. Mais um salto, mas agora ele cai com um chute preciso no peito do Barão. Os dois rolam pelo chão lutando e quando se levantam, distantes um do outro, o Falcão está com a bengala em suas mãos.

Largue-a! Zumbis, peguem minha bengala! — o Barão ordena, e as pessoas dominadas marcham novamente para cima do Falcão.

Com a bengala em mãos, o Falcão começa a acertar diversos golpes nos "zumbis" que o atacam. Alguns golpes na cabeça, outros no saco e, por fim, um golpe preciso no diafragama, e pronto. Uma a uma as pessoas começam a desmaiar. No entanto, ainda são muitos. Um homem aponta uma pistola para o falcão e atira, não há tempo de desviar e a bala o atinge no peito. O Falcão sente o impacto, mas sua cota não permite que a bala penetre. Antes que o zumbi possa atirar novamente, é desarmado pelo vigilante, que o espanca até que ele desmaia. Repentinamente, no canto dos olhos, ele nota o Barão correndo para uma saída alternativa do galpão.

"Não mesmo!"

Com um movimento rápido, ele pega uma lâmina e atira por entre os "zumbis". A precisão do Falcão é ímpar, atingindo a nuca do Barão. O vilão solta um grito de dor e cai. O incêndio que havia começado na parte de trás agora toma grandes proporções, a fumaça negra começa a se tornar volumosa e o calor começa a se fazer presente. O fogo está se espalhando, e se aproximando do Barão.

Os "zumbis" continuam a atacar o Falcão, que, como pode, se defende e tenta derrubá-los. Um grupo de cinco junta-se para atacar o vigilante, enquanto os restantes vão até o Barão para lhe ajudar. Enquanto o Falcão luta para se livrar dos "zumbis", o fogo aumenta e a fumaça oculta uma boa parte do galpão. Com as lentes infravermelhas, ele nota que os zumbis ainda tentam levantar o Barão.

"Em instantes o fogo vai atingir os tonéis de solvente. Eu só não contava com esses zumbis."

O Falcão luta contra os "zumbis". Com um contra-golpe, se livra e começa a correr para fora do galpão. Os "zumbis" o perseguem, e, subitamente, uma série de explosões ocorre. O fogo aumenta, e partes da estrutura do galpão começam a desabar. O Falcão, já do lado de fora e derrubado pela força das explosões, se levanta. Ele vê alguns "zumbis" muito feridos e outros tentando se afastar do galpão em chamas.

"Eles vão se virar. Preciso pegar o Barão. Se ele escapou, eu mato o desgraçado agora!"

A figura na armadura de cota e com olhos amarelos corre, dando a volta no galpão. Seu corpo está muito cansado e machucado, mas ele não pode parar. Ele não vai deixar aquele doente, aquela vergonha para a raça negra fugir daquele jeito. Não aquele.

"Não esse."

Ele começa a contornar o galpão quando uma outra explosão acontece. O Falcão é lançado contra uma outra construção, batendo com as costas na parede e caindo no chão, muito atordoado. Sua visão começa a ficar turva, e ele não pára de ouvir um zumbido irritante. Com surpresa, vê uma figura usando cartola e com uma caveira maquiada no rosto se aproximando.

— Então é assim que acaba essa história. Um último capítulo curto. Uma frase final marcante: e então o manco Barão Samedi matou o Falcão Noturno. Simples e impactante. Eu gostei.

O Barão puxa uma adaga de seu cinto.

— Eu poderia matá-lo rapidamente, como se mata um frango em um abatedouro. No entanto, prefiro fazer isso de modo diferente. Sabe, para se tornar um médico é preciso estudar anatomia. Interessante disciplina. Ajuda muito nessas horas.

O vilão rasga a calça do Falcão em uma parte desprovida de armadura. O vigilante tenta reagir, mas lhe faltam forças. Deve ter quebrado várias costelas, e um braço.

— A artéria femural... — o Barão rasga a carne do falcão e corta sua artéria — Você morrerá rápido, mas nem tanto, irmão de cor. — com uma ajeitada no chapéu, o Barão se despede. Ele se apóia em um "zumbi" e vai embora.

Um frio intenso toma conta do corpo de Kyle Richmond.

"É a hemorragia. Acabou."

A dor aliada a fraqueza se tornam insuportáveis. Ele desmaia. Um anúncio de morte.

Um homem branco. Um chapéu pontudo. Um rifle e dois tiros. Um só grito, duas almas.

"Pai! Mãe! Malditos homens brancos e seu preconceito. Eu juro, juro no túmulo de vocês que todo crime racial será castigado. Não haverá um desgraçado racista que não vai morrer pelas minhas mãos! Eu vou destruir todos eles! Porcos! Dementes!"

Um homem branco. Um homem super-poderoso. Um homem voador e superforte. Um discurso.

— Você só defendeu negros de ataques de brancos. Enquanto um casal de jovens brancos era assaltado na outra esquina, você estava aí parado, esperando por algum crime racial. Você não acha que isso é diminuir demais o sentido das coisas? Não acha que é tão racista quanto eles? Não deveríamos simplesmente ajudar os que estão necessitados?

"Conversa fiada."

Um homem negro. Uma cartola. Uma caveira.

"Ele fez um negro matar vários negros. Ele faz homens brancos cheirarem aquele pó e matarem mais negros. Ele acaba de matar mais um homem negro."

Um homem branco. Um júri de brancos.

"Edgar Ray Killen. Morra! Morra! Morra! Você é como ele!" (*)

Um livro antigo. Histórias de fantasmas.

"O Barão Samedi traz mortos de volta a não-vida. Zumbis."

Um homem negro. Uma armadura. Um Falcão.

"E eu não deixarei isso acontecer de novo. Eu juro, pai! Eu juro, mãe!"

Um suspiro dolorido. Um coração que volta a bater. O Falcão não se deixa vencer. Ele desperta e se arrasta para um pedaço de madeira em brasa. Ele o agarra e enfia a parte quente no ferimento. A dor é insuportável, o choque, violento. Ele grita, mas suporta o sofrimento.

"Ferimento cauterizado, adrenalina no sangue."

Com um toque em um botão de seu cinto, aciona um localizador. Em poucos instantes, um jato pára flutuando exatamente em cima do Falcão.

"Ainda bem que deixei tudo preparado."

Ele atira um cabo, o prende no uniforme, e começa a ser içado até o jato.

"Finalmente."


:: Notas do Autor

(*) No verão de 1964, Edgar Ray Killen matou três afro-americanos que participavam de movimentos a favor dos direitos civis. Killen era um membro da Ku Klux Klan. Houve um julgamento em 1967, mas o júri era formado todo por pessoas brancas de classe média, então Killen não foi condenado na época. Em 1988, o filme "Mississippi em Chamas", que conta a história de Killen, foi lançado. Em 2005, houve outro julgamento. Killen (hoje com 80 anos de idade) foi condenado a 60 anos de prisão. voltar ao texto




 
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