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Falcão Noturno - Mortos-Vivos # 01

Por Eduardo Regis

A Noite de Chicago

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"Você pensa que está livre, impune. Acha que pode se levantar um dia e ter a brilhante idéia de descontar uma vida de frustrações em cima do primeiro que aparece na sua frente. Isso é porque você é um imbecil. Dá pra ver no jeito que você se move. Sem cuidado, barulhento, preguiçoso. É tão fácil te seguir que dá mais ódio."

"Você entra em um beco com aquela excitação estranha vindo à tona, segura sua faca com punho forte, achando que vai enfiá-la na barriga do próximo negro infeliz que passar por perto. Acha que vai limpar sua dor com sangue. Branco estúpido."

Do alto de um prédio, acima do beco, dois olhos amarelos brilham na noite. Ele se move por entre as sombras, ou seriam as sombras que se mesclam a ele? Fica difícil dizer. Muito difícil. Não importa. Ele prepara um salto e se joga. Suas mãos alcançam a escada de incêndio mais próxima. Ele se escora na parede com os pés e, com uma acrobacia, cai em frente ao homem, no beco.

— Você se julga superior.

Um soco atinge a mandíbula do homem branco, sangue espirra no visor amarelo.

— Você se acha Deus com essa faca nas mãos.

A faca se levanta na escuridão e cai em direção ao Falcão Noturno. Ele nada faz, apenas continua parado enquanto a faca se quebra entre as escamas de sua cota.

— Eu sou Deus nas ruas de Chicago e tenho um recado para você: chegou a hora da sua morte!

Outro soco na boca do estômago. Um chute no joelho, uma perna quebrada. Um golpe na mão, três dedos partidos em cinco pedaços.

— Como vai ser? Posso parar seu diafragma, romper sua carótida ou simplesmente esmigalhar todos os seus ossos! Como vai ser?

— Por... favor... pare... eu não ia... não... — o homem balbucia.

Não ia? Você a seguiu, sabia que ela passaria por aqui. Você viu que caminho ela tomaria após sair da lavanderia. Por que aquela mulher negra? Por quê?

— Ela lembra...

O Falcão o agarra pelo pescoço.

— Ela lembra... lembra... a filha da puta que me passou AIDS.

— Azar o seu. — ele prepara um soco direto no esterno. O osso vai se romper, e com a força certa, os estilhaços vão perfurar os pulmões e o coração. A morte será dolorosa — "Perfeito." — se ele tiver sorte, talvez a ambulância chegue a tempo. Em seguida, só se ouve o barulho de ossos quebrando.

"Esse não vai ter tempo pra sorte."

"É como esfolar um frango após horas na panela. Você simplesmente tira a pele, assim, como em um passe de mágica. Depois, você costura com uma agulha bem grossa. Assim. Pronto. Mais um e o colete fica pronto."

Uma figura grande e pesada se aproxima de uma cama onde um homem negro está amarrado e amordaçado.

— Hummm... bom. Você é perfeito. Algumas horas na panela e vai sair fácil, tudinho, tudinho.

As lágrimas escorrem dos olhos do homem enquanto ele tenta, inutilmente, gritar por sua vida.

"Ele não é o homem que eu procuro. Muito covarde, muito frágil. Alguém está seqüestrando negros há duas semanas. Nenhum foi encontrado, nem seus corpos. Eu acho impossível que ele os esteja jogando em algum lugar, senão eu teria achado. Ele deve estar enterrando em casa, ou comendo. É um homem forte, pois pegou homens jovens. É um homem morto, pois cruzou meu caminho."

O Falcão puxa uma pistola de seu cinto, ele atira um cabo até um prédio e vai até uma cobertura do outro lado da rua.

"Onde?"

"Cortar as pernas e os braços é importante. A pele não é boa e não cabem na panela maior. Na menor cabem, e ficam boas com aspargos. Eu corto os mamilos, eles dão um gosto estranho depois que a pele sai. Algo como quando você morde um pedaço de bacon estragado, dá nojo só de pensar. Também raspo os pêlos. Na boca, eles fazem cosquinha."

"Já percorri três vezes a cidade. A cada vagabundo que eu espanco, a mesma coisa: papo furado, quase nada de útil. Só dá para concluir que não é um cara conhecido nas ruas. Não é um criminoso comum. Não. Este é especialmente doente. Serial killers geralmente matam sempre o mesmo tipo de pessoa. Morenas, loiras, negras, ruivas, professores, policiais. Todos se encaixam em um perfil similar. Às vezes você se confunde, como o clássico caso do matador de físicos em Londres. Todos achavam que ele só matava indianos, mas cerca de 80% dos físicos de Londres eram indianos. Fácil confundir. O bom detetive não se confunde. É preciso estar atento aos detalhes. Eu estou atento aos detalhes. Este é um maldito que não vai escapar da minha vingança. Não há limites para o alcance da minha justiça. Ninguém escapa. Ninguém."

A porta de um pub se abre. Johnny "Dildo" sai da casa acompanhado de duas mulheres. Ele vai até seu carro no outro lado da rua, mas quando acaba de abrir a porta, o Falcão Noturno pousa em cima de seu capô, amassando o teto.

Vamos conversar!

"Dildo" puxa uma arma calibre .44 do paletó e aponta para o Falcão.

— Nem você é a prova de balas, seu viado do caralho!

— Tente. — o Falcão dá um chute na mão de Johnny — "Sem arma." — o nariz é o próximo. Um soco o atinge. "Dildo" cai por cima do carro. As duas putas saem correndo.

O Falcão segura Johnny com as duas mãos.

— Você vai me dizer o que sabe sobre o seqüestro dos negros.

— Não fou falar forra nenhuma, seu babaca. — Johnny responde, meio fanho.

Vai. Ou eu vou te ferrar muito feio. Você já parou pra pensar em como vai doer se eu resolver te amarrar naquele poste e dar com o carro em você?

Focê é louco! Caralho!

Ele leva "Dildo" até o poste e o prende com um cabo de aço. Lentamente ele vai andando até o carro, pega as chaves que estão na porta e entra.

— Vou dar partida nesse carro. É melhor você falar.

Folícia! Forra! — Johnny grita, desesperado.

O Falcão liga o carro e acelera em direção ao poste, no último momento ele desvia e passa de raspão no braço de "Dildo".

— Arrrgh!! — o homem grita ao sentir parte de sua pele sendo esfolada pela lataria.

O Falcão sai do carro e se aproxima dele novamente.

Fale!

— Eu não sei de nada, só sei que dizem for aí que o lado oeste não é mais seguro fros fretos. Eu juro!

Ele o larga lá.

"Ele não está mentindo. Tem diferença quando um homem mente e quando ele fala a verdade. A voz sai diferente, a cara fica diferente, os olhos não se enchem de lágrimas. Além do que, já ouvi a mesma coisa sobre o lado oeste antes. No entanto, algumas vítimas eram do lado sul e norte. O desgraçado tem um carro."

"Ring. Ring."

Um telefone toca.

— Alô? — uma voz rouca atende.

— É da oficina de eletrônicos? Minha TV pifou na hora do jogo dos Bulls! Dá pra vir aqui?

— Não. Estamos fechados. Ligue amanhã.

Ele desliga.

"Hummm. A pele já tá ficando mais solta. Que cheiro bom! Cheiro bom! Como cheira bem! Tão bom. A pele forte, com cor, sim. Boa pra costurar. Os dentes brancos, muito brancos. Faço botões para o colete."

Ele abre a tampa da panela. Um olho sobe com a água quente. Ele o amassa por entre o resto do corpo com uma colher de pau e tampa a panela.

"Um carro grande. Um tipo sedan com a mala livre, ou então um furgão ou van. Quem é você? Por que faz isso? Como você chega perto deles sem que desconfiem?"

Os olhos amarelos caem sobre um prédio.

"Os registros da polícia talvez não possam me ajudar, mas aposto que os registros do instituto municipal de psiquiatria podem."

O Falcão entra por uma janela do prédio. Não é nem um pouco difícil para ele caminhar pelos corredores e entrar na sala dos registros sem que ninguém note. As lentes de sua máscara lhe conferem uma perfeita visão noturna. Ele não precisa chamar a atenção ligando uma lanterna, pode trabalhar com calma na escuridão total.

Ele abre as gavetas e começa a procurar pelas fichas dos pacientes.

"Homens altos e grandes são os suspeitos prioritários. É necessário que possuam habilitação para dirigir."

Algumas horas depois...

"Randall, Daniel e Fallon, Barry. Dois homens fortes e altos, com habilitação. Perfil psicológico parecido. Psicose, apatia e acessos de violência. Os dois batem com o perfil e moram no lado oeste. O primeiro é branco, o outro negro. Serial killers tendem a escolher suas vítimas dentro de sua própria etnia. Dane-se. Daniel Randall é o suspeito número um."

Finalmente ele desliga o fogo. Com cuidado, tira as partes de dentro da panela e as joga sobre a mesa. Com um garfo, começa a soltar a pele dos músculos.

"Devagar. Devagar. Preciso dela bem limpinha."

O Falcão cai no jardim da casa de Randall.

"Sem grama. Terra mexida. Aposto que o bastardo andou enterrando as vítimas por aqui."

Ele caminha até a porta dos fundos, que abre sem dificuldades. De lá, ouve a televisão. O cheiro de um assado entra em suas narinas e o barulho de talheres caindo chama a atenção.

"O desgraçado está na cozinha."

Um vulto passa da cozinha para a sala. O Falcão pula sobre a figura, agarrando-a pelo pescoço e jogando-a ao chão. Ele segura um dos braços do homem e apóia uma de suas botas no pescoço dele.

Randall?

— Si-sim. Mas que diabo...?

Cale-se. Eu quero saber o que você fez com eles. Diga. Ou eu quebro seu braço e destruo sua coluna.

— Quem? Eu não fiz nada! Arghhh! — o Falcão puxa o braço do homem ao ponto de se ouvir estalos.

Diga.

Mas eu não fiz nada! Socorro!

— Por que a terra está mexida em seu jardim? Cadê a grama?

— Eles vão replantar. Tive que tirar a piscina.

— E suas visitas ao médico? Ao psiquiatra?

— Eu tenho alguns problemas sim, mas eu tomo remédios. Estou bem agora. Me solta, por favor... — ouve-se um choramingo.

— Fique de bico fechado, se eu ouvir um pio corto seu peito de um ponto ao outro e deixo suas entranhas vazarem aqui mesmo.

Ele prende Randall com uma corda e vasculha a casa. Nenhum indício, Randall parece realmente estar limpo.

O Falcão o solta e sai pela noite.

"Suspeito errado. Sobrou Fallon."

"Vai ficar ótimo no meu colete. Lindo! E esses músculos, ah! Que delícia. Os dentes. Que dentes! Preciso de mais um. Mais um para as mangas. Um pequeno dessa vez. Hoje! Tenho que terminar a roupa!"

"Ele pegou dois só ontem. Ele está ficando cada vez mais e mais dependente. Em breve vai ter que pegar de novo, preciso matar o desgraçado antes que alguém sofra, sofra como eu. Ninguém vai sofrer como eu."

O Falcão Noturno passa pelos prédios correndo. A pressa o move. A pressa de achar Fallon, seu único suspeito.

"Nada garante que seja Fallon. Muitos doidos nunca procuram ajuda, ele não precisa ter uma ficha médica. Lembre-se de analisar os fatos. Pense. Pense."

Ele pára no topo de um prédio de apartamentos. A chuva aperta. Com o canto dos olhos, ele vê um menino negro dormindo debaixo de uma marquise.

"Como eu já fui. Sozinho e desamparado, sem saber como dar o próximo passo."

Ele pensa em como vai ajudar o menino quando chegar em casa, pensa em ligar para o centro de reabilitação infantil que ele apóia. Por instantes, sonha em dar àquele garoto uma chance. Os sonhos, porém, não parecem ter sido feitos para o Falcão Noturno. Um furgão pára ao lado do garoto. Um homem forte e negro sai e vai até o menino. Tapando a boca da criança, ele a agarra.

Largue agora o garoto, seu escroto!

O homem se desespera e larga o menino no chão. Ele olha para os lados e para o alto, procurando de onde veio a voz.

O Falcão lança um cabo e se balança até a rua.

Agora, ele e o homem estão cara a cara. Os dois se entreolham. Os olhos amarelos do Falcão, a personificação do ódio e do medo. Os olhos brancos do assassino, loucura e desespero. É um duelo de moral, até que o primeiro ataque.

O Falcão não se inibe e acerta o maldito com um chute nas costelas. O homem cambaleia, mas não perde o equilíbrio.

"Ele é forte. Movido por uma fúria, uma loucura primordial. Nada dá mais força aos homens do que um objetivo. Nisso somos poderosos. Eu mato essa laia, esse é o meu objetivo. O dele é saciar suas necessidades doentias. Somos ambos a pedra no caminho um do outro. Ninguém aceitará a derrota."

— Sai! — o homem grita, enquanto gira um soco na direção do Falcão.

O Falcão noturno segura o braço do homem e, usando a força do ataque, o joga longe.

Nunca. Você vai morrer pelo que fez!

"Uma série de golpes bem colocados. É o que eu preciso para destruir este louco. Nada para minha vingança. Nada."

— O que você fez com eles? — pergunta o Falcão, sacando uma adaga de seu cinto.

— Comi. Comi todos. Seus músculos me deram força. Força de dez homens. De sua pele fiz uma roupa. Roupa bonita. Dos dentes fiz botões. Sim. — os olhos do homem se perdem enquanto ele fala.

Porco! Cão! — um soco na cara e um chute no saco e o homem só vai para trás. É como se ele mal sentisse os golpes.

"Este ele vai sentir!"

A faca voa no peito do homem. Abaixo do mamilo, um pouco para o centro, entrando direto no coração. O sangue jorra, mas nem um grito o desgraçado solta.

"Há mais do que loucura neste homem."

— Quem é você? Responda!

— Sou apenas o servo. Meu senhor ainda virá. Ele me dá forças. — o homem fala, tentando atingir outro soco no Falcão. Ele erra.

Lâminas saem das luvas do Falcão. Ele começa a socar o homem com seus punhos cobertos pelas lâminas. Em poucos instantes, retalha todo o peito do assassino. Os ossos estão à mostra.

Diga-me agora! Quem é seu senhor? Ou eu juro, juro que faço você sofrer por três noites antes de morrer!

— Ele vai destruir você. Ele tem planos pra você! Pra você! — o assassino grita e atinge a cara do Falcão com um soco.

O Falcão é jogado para trás. Sua cabeça dói mesmo com o uniforme tendo absorvido quase todo o impacto. Uma de suas lentes está amassada. Ele vê o corpulento homem se movendo em sua direção.

Ele se levanta com um salto. O Falcão é especialista em diversas artes marciais e muito rápido, mesmo para aquele homem fora do comum. Ele gira o corpo e crava suas lâminas nos olhos do assassino. Um gatilho especial em sua luva faz com que as lâminas se soltem e ele as empurra mais para dentro. Agora, sim, o bastardo grita.

O grande homem negro cai na calçada. Ele começa a tremer e convulsionar. O Falcão Noturno poderia matá-lo agora, mas não o faz. Apenas vê enquanto o último fio de vida se parte. Tudo acaba, e o Falcão ainda observa o menino de rua correndo desesperado.

As sirenes da polícia enchem a rua de luz e som. Duas viaturas chegam ainda a tempo de pegar o assassino em convulsões post-mortem, mas não a tempo de ver o Falcão Noturno. Este já se misturou à noite. Voltou para seu canto, aonde vai chorar pelo menino que ele nunca conseguiu salvar. Um menino que cresceu e se tornou ele próprio.

Na casa do assassino, uma figura entra e coloca sua cartola sobre a mesa. Ele anda pelos cômodos até achar a peça de seu interesse. Ele a levanta e examina.

"Que belo colete ele me fez! Eu disse que não precisava, mas ele insistiu tanto. Ah, a gratidão dos que nada tem."

O homem experimenta o colete com um sorriso de satisfação.

"Digno do Barão Samedi."


Continua.




 
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