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Por
Fábio Fernandes
Eisner, Will Eisner. Ainda lembro da primeira vez em que li esse nome: foi num antigo manual da Abril, daqueles de capa dura, tipo mini-enciclopédia, que sempre apresentava um dos personagens principais da Disney (Pato Donald, Mickey, Gastão, Peninha, Zé Carioca infelizmente não me sobrou nenhum e a memória está fraca demais para que eu me lembre em qual foi). O nome de Eisner era citado como sendo um dos grandes criadores do mundo dos quadrinhos, e foi também nesse manual que tomei conhecimento de sua obra mais famosa, então traduzida como "O Espírito".
As histórias do Spirit eu só leria alguns anos mais tarde, na revista Gibi, publicada pela (infelizmente) falecida Rio Gráfica Editora. Não foram muitas histórias, mas essa leitura valeu para despertar meu interesse pela obra de Eisner e por quadrinhos mais adultos, mais metalingüísticos, enfim, mais pós-modernos, no que essa escola literária tem de melhor: o uso da referência.
Graças a um amigo que trabalhou na Devir nos primórdios dessa editora/distribuidora, pude ler, nos anos 1980, a republicação do Spirit levada a cabo pela Kitchen Sink Press. Pouco tempo depois, a Abril faria uma tentativa de publicar esse material em português, mas não durou muitas edições. Pelo menos, serviu para despertar suficientemente o interesse da editora a ponto de fazê-la publicar outras duas histórias dele: Um Sinal do Espaço e Astrologia Divertida.
Hoje, embora ainda não tenhamos tido acesso a todo o Spirit, pelo menos temos o prazer de saber que por aqui foi publicada quase toda a obra de Eisner: O Edifício, Um Contrato com Deus, Sundiata, O Nome do Jogo, Avenida Dropsie. Tivemos até mesmo adaptações de Eisner para o teatro, escrita e encenada por brasileiros: a Companhia Armazém montou em 2002 a interessante peça Pessoas Invisíveis, baseada nas obras O Edifício e Invisible People, e, em fevereiro último, o diretor Felipe Hirsch (que já havia feito a excelente peça A Vida é Cheia de Som e de Fúria, baseada no livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby) montou logo duas peças: Avenida Dropsie e Sketchbooks, com base nas obras homônimas (Sketchbooks é um álbum com os esboços de produção da graphic novel Avenida Dropsie).
Dizer que Will Eisner era um craque dos quadrinhos não faz justiça a ele. Eisner era muito melhor do que qualquer craque, seja de que esporte for. Não só jogou nas onze, como ainda teve a paciência (e arrumou o tempo, embora de onde, ele que ainda era um homem tão ocupado, talvez jamais venhamos a saber) para ensinar as novas gerações a arte seqüencial, seja como professor (lecionou durante anos na School of Visual Arts de Nova York), seja como escritor, através dos fundamentais livros Quadrinhos e Arte Seqüencial e Graphic Storytelling (só o primeiro foi lançado entre nós, pela Martins Fontes).
Quanto ao Spirit, vale lembrar que ele criou o tira mascarado de Central City ainda jovem, com 22 anos. Depois disso foram mais 65 anos de atividade seu trabalho só fez melhorar. E sua cabeça também. Eisner não se portou de modo arrogante como infelizmente fazem hoje muitos desenhistas de quadrinhos, brasileiros e estrangeiros. Sempre esteve disposto a aprender e ensinar. E Eisner sempre teve muito a ensinar. Num momento em que a indústria de quadrinhos anda tão fraca lá fora em termos de idéias e aqui no Brasil ainda nem é uma indústria, Will Eisner estará sempre na linha de frente como um exemplo (para nós todos) de que não basta ter talento: atitude e a vontade nada egoísta de compartilhar o conhecimento são essenciais.
Parafraseando um velho mestre da literatura de ficção científica, Olaf Stapledon, "foi bom você ter sido humano". Descanse em paz, velho Will. E muito obrigado por tudo.
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