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Dr. Samson - Delírios e Sonhos no Asilo Arkham # 03

Por Rafael Borges

— Desculpe, eu não entendi direito. O senhor disse "Mago Supremo da Terra, Mestre das Artes Ocultas" e o que mais? — indaga o doutor Samson ao telefone.

— Médico. — responde, do outro lado da linha, o outro doutor. Um doutor mais Estranho — Já fui médico também.

— Minha nossa! — exclama Leonard — Finalmente encontrei alguém com um currículo mais estranho do que o meu. Mas essa ligação não é exatamente para trocarmos informações profissionais, dr. Strange.

— E ela seria para que fim, dr. Samson?

Leonard pára por um segundo, coça a cabeça por entre suas madeixas verdes antes de revelar, constrangido, o motivo que o fez ligar para o único membro da Liga da Justiça que consta na lista telefônica.

— Bem... na verdade, estou trabalhando há algum tempo no Instituto Arkham para criminosos insanos de Gotham City e surgiu um caso em que... bem... — sem encontrar as palavras, Samson resolve ir direto ao assunto — Para encurtar a história, preciso entrar em contato com o Batman. Gostaria de falar com ele a respeito de Harvey Dent, um dos meus pacientes. Eu acredito que isso seria de um valor inestimável para a continuidade do tratamento psiquiátrico...

Antes que possa continuar, o doutor é interrompido:

— Temo que não sou a pessoa mais apta para lhe ajudar, dr. Samson. — diz o mago supremo com sua habitual eloqüência — Apesar de termos amigos em comum, Bruce Banner entre eles, e mesmo que eu fosse o mais atuante entre os integrantes da Liga e o Batman confiasse em mim o bastante para me dar alguma informação a respeito de como localizá-lo, acredito que eu não trairia essa confiança, não é mesmo?

— Bem, eu entendo. — desapontado, o psiquiatra argumenta — Mas, sendo um especialista em artes ocultas, não seria fácil para o senhor entrar em contato com ele se quisesse?

— Disse bem. Se eu quisesse. O que só aconteceria mediante alguma emergência de grande gravidade. E, evidentemente, este não é o caso.

Depois de trocar mais algumas palavras, Leonard desliga o telefone de seu escritório no Asilo. Sua última esperança de contatar o homem-morcego acabou tão fracassada quanto as anteriores. Nem mesmo a Caçadora pôde ser de alguma valia.

Vamos ter de fazer as coisas da maneira antiga.

Sem colantes coloridos desta vez.

Delírios e Sonhos no Asilo Arkham
Parte III

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Enquanto caminha, ainda frustrado, pelos corredores góticos do Asilo, Samson passa pela cela do Coringa e o contempla por alguns instantes. Dentre todos os internos, ele é quem parece mais perdido nos recôncavos de sua própria insanidade. Preso a uma camisa de força e com uma mordaça de metal, ele não esboça nenhuma reação ao mundo exterior.

— Com licença, senhor. — pede um dos guardas do Asilo, interrompendo os devaneios do doutor — Está na hora de alimentar os pacientes.

— Pode ficar à vontade. — Leonard dá um passo atrás e libera a passagem para o funcionário — Eu tenho um compromisso com o dr. Wolper, mesmo.

Enquanto o médico segue seu caminho, o guarda abre o cadeado e a porta da cela. Lentamente, arrasta um carrinho com os pratos de cada um dos detentos. Devido ao estado do Coringa, ele tem sido o primeiro a receber alimentação. Com uma chave um tanto enferrujada, o funcionário abre a mordaça do palhaço do crime e se prepara para dar-lhe a refeição na boca com uma colher.

Entretanto, antes que o alimento possa chegar até o criminoso insano, o Coringa cospe com toda a força um pequeno objeto afiado de metal que guardava em sua boca direto nos olhos do funcionário, que vai ao chão gritando de dor.

— Clips na boca são um clássico, não acha? E eu ainda adicionei uma pitada de improvisação! — enquanto se desvencilha de suas amarras, o Coringa se aproxima do guarda caído — A camisa de força foi a parte fácil. Agora, tenho de sair daqui rapidinho, antes que seus amiguinhos te escutem gritando e venham acabar com a minha festinha aqui. Afinal de contas, o show deve continuar, não é mesmo?

Alheio aos acontecimentos que transcorrem por entre as celas do Asilo, Leonard chega ao escritório do dr. Wolper. Depois de dar três batidas na porta, ele se recrimina. Tendo em vista o que aconteceu no último encontro dos dois, a última coisa que o diretor-interino do Arkham precisa é ser lembrado da força que Samson possui.

— Pode entrar, doutor! — exclama Wolper, com um olhar um pouco mais arregalado do que de costume.

— Obrigado, doutor Wolper. Eu gostaria de retomar a nossa conversa sobre a atual situação do Duas-Ca... quero dizer... do paciente Harvey Dent. — Samson se recrimina novamente. É tão fácil seguir pelos caminhos que ele mesmo condena — Tenho motivos para acreditar que ainda podemos solucionar um crime que ele cometeu enquanto se encontrava foragido. O seqüestro de duas meninas de um colégio gothamita. Se ao menos não permitíssemos que ele mantivesse aquela moeda, poderíamos...

— É muito louvável de sua parte tentar auxiliar o departamento de polícia de Gotham City, Leonard. Mas esse não é exatamente nosso papel aqui. Somos homens dedicados à cura, não detetives, não é mesmo? — Wolper se senta em sua mesa e, enquanto fala, manipula uma caneta caríssima — Tenho certeza de que, em se tratando de um suspeito com métodos tão previsíveis como Harvey Dent, os profissionais indicados terão facilidade em desvendar o crime mais cedo ou mais tarde. Afinal de contas, eles sempre foram capazes de desvendar até mesmo as fantasias criminosas caóticas do Coringa.

Samson se surpreende com a frieza do colega. Antes de responder, entretanto, ele se contém. Ele não quer dar ao diretor mais um motivo para tratá-lo como um troglodita violento.

— Me preocupa um pouco essa simplificação do Coringa. Realmente, o método do Duas-Caras é cuidadoso, repetitivo e até certo ponto previsível; mas talvez o Coringa tenha mais um critério cênico... de criar um espetáculo em que ele seja o artista principal. Ele não mata sem critério, pois tem a necessidade de que essa morte represente figurativamente uma piada, um espetáculo ou um deboche à sociedade gothamita.

Wolper leva a mão ao queixo, faz um bico quase caricatural e retruca:

— Interessante ponto de vista. Pena que ele tenha pouco ou nada a ver com o assunto em questão. Os apetrechos serão mantidos. Esta é a tradição no Arkham e não serei eu e muito menos você que vamos mudá-la. Se não estiver confortável com essa decisão, poderemos negociar os termos de rescisão de seu contrato.

Leonard se exalta. Depois de todo o trabalho para trazê-lo até o Asilo, o diretor-interino praticamente o expulsou.

— Quando e se eu vier a pedir demissão, isso será uma escolha somente minha. Não tente seus joguinhos mentais comigo, estamos entendidos? — antes que Wolper possa responder, Samson deixa a sala — Passar bem.

Ao contrário da última vez, a Caçadora decide chegar ao Arkham de surpresa. Depois da última noite que passou com Leonard Samson, ela se pergunta se sua entrada pela janela do escritório do doutor se dá às novas informações que Oráculo lhe passou ou ao sentimento que eles começam a nutrir um pelo outro.

Esses questionamentos, porém, têm de ficar para outro momento. A vigilante percebe que a sala estranhamente se encontra com todas as luzes apagadas. Devido ao aspecto gótico do Asilo, a escuridão é quase total.

Em seu ramo de trabalho, entretanto, a Caçadora já encontrou homens que gostam de permanecer no escuro.

— Leonard, as meninas foram encontradas! A policial Montoya localizou as duas em um antigo cinema abandonado. — enquanto fala, ela aciona a visão noturna de sua máscara — Elas estavam sendo mantidas lá por um homem vestido como Carlitos, o personagem de Charles Chaplin. Ele revelou o verdadeiro mandante do seqüestro. Não foi o Duas-Caras. O método é muito mais parecido com o do...

Apenas quando seus olhos se habituam com o recurso ótico que acionou, ela consegue terminar a frase, espantada pela visão à sua frente:

-...Coringa!

Com o cabo da arma que retirou do guarda, o palhaço do crime acerta violentamente o rosto da vigilante, que não tem tempo para reagir e tomba desacordada.

— A coisa mais importante em um bom espetáculo é o drama. Todo mundo adora um bom drama! — com a oponente caída, ele começa a falar — E nada melhor para isso do que uma donzela em apuros. Mas ainda falta uma coisa...

Calmamente, o Coringa pega o telefone na escrivaninha de Samson e disca três célebres números. Quando começa a falar, sua voz é contida, quase ingênua. Muito diferente de sua habitual extravagância.

— Alô? É do departamento de polícia de Gotham? Aqui quem fala é do Asilo Arkham. Parece que aquele terrível criminoso, o Coringa, escapou. Deus, eu estou tão preocupado. Ele já matou um guarda e parece estar indo com uma refém para o terraço do prédio. Por favor, venham logo ou algo terrível pode acontecer. Meu nome? Meu nome é Corey. Corey Ingard.

Antes que a telefonista possa fazer mais perguntas, ele bate o fone no gancho e começa a rir. É um riso contido a principio, mas que vai aumentando sua intensidade até alcançar níveis de insanidade que somente ele poderia possuir.

— Pronto. Agora, tenho minha platéia. Que subam as cortinas, o show está pronto para começar.

— Pela segunda e última vez, não sabemos de nada. Agora devolva a moeda! — Harvey Dent se desespera.

Enquanto o paciente aperta as grandes na porta de sua cela, seu psiquiatra cerra os pulsos. Do lado de fora do cubículo onde o Duas-Caras se encontra, está Samson, ainda revoltado pela discussão que teve há poucos minutos. Mas, mesmo na iminência de deixar o trabalho no Asilo, ele não pretende decepcionar a Caçadora, muito menos as duas alunas desaparecidas.

— Vou devolvê-la apenas quando me contar sobre as duas garotas que você seqüestrou... — repentinamente, o doutor interrompe o discurso e fica em silêncio — Espere um pouco... esse som... sirenes.. o que pode estar acontecendo por aqui desta vez?

No alto do Asilo, o circo profano do Coringa já está montado. O insano criminoso se encontra apoiado contra o parapeito do terraço, com uma arma apontada para a cabeça da Caçadora. Toda a área já foi cercada pela polícia. Os funcionários começam a evacuar o prédio e já é possível avistar, ao longe, o reforço aéreo solicitado pelo sargento Bullock. Nada disso, entretanto, intimida o comediante assassino. Muito pelo contrário.

— Ah! Nada como o reconhecimento do público! — sussurra o Coringa, sob o olhar atônito de sua refém. Como um ator entrando em seu personagem, ele muda sua voz mais uma vez e começa a gritar para todos os carros de polícia — Muito bem, vocês conhecem as minhas exigências: eu quero duas dúzias de tolhas brancas e rosas de caules longos no meu camarim!

Depois dessa deixa, os blocos de concreto que compõem o teto do Asilo começam a se partir como que em uma explosão. Vindo de dentro da cratera que se formou, surge o responsável pela destruição. Ofegante e com o característico jaleco em trapos, o doutor Samson se dirige ao Coringa com eloqüência e de forma intimidadora:

— Eu sei que você é apenas o fruto de pais negligentes e uma patologia mental crônica, mas se não largar esta arma agora, vou lhe mostrar o caminho mais curto até o camburão lá embaixo.

— Ei! Eu sou a estrela aqui! Só eu posso usar frases de efeito! — o Coringa começa a disparar contra o peito do doutor, mas não tem êxito em impedir sua aproximação — Hmm... felizmente, todo grande astro pode sempre contar com seus coadjuvantes. Esta é a sua deixa: luzes, câmeras e ação.

Surgido da escada que dá acesso ao terraço, o Crocodilo parte, enfurecido, para o confronto, enquanto Leonard gesticula para que a criatura o ouça.

— Escute bem, nada disso é necessário. — diz o doutor — Você é só um paciente muito transtornado e com um grave problema cutâneo. Se ficar quietinho, prometo que lhe consigo toda a linha de produtos para a pele da Avon.

Avon? — repete o Crocodilo, hesitando por um momento — Eu nunca tinha pensado nis...

As palavras são interrompidas por um potente golpe de direita que lhe acerta a mandíbula, partindo-a.

Diga a ele, Coringa! — começa a berrar a Caçadora — Conte que foi você o responsável pelo seqüestro das duas irmãs naquele colégio!

Samson, que já se volta novamente para o palhaço do crime, detém o seu avanço. Ele não poderia imaginar nenhum motivo para o Coringa simular os métodos de Harvey Dent.

— Aquilo? Eu estava cansado de toda a atenção que o Duas-Caras estava atraindo para si! Só pensei em provar que eu poderia realizar uma verdadeira obra de arte criminal, mesmo usando as idéias daquele idiota de dupla personalidade. Duplamente sem personalidade, se você quiser saber minha opinião. — enquanto fala, o vilão alterna a mais variada gama de gestos corporais, tal qual um mau ator — Mas eu me cansei daquilo logo. No final das contas, só consegui chamar mais atenção para o engomadinho do Duas-Bundas.

— Isso não faz sentido! — argumenta Samson — Por que você se daria a todo esse trabalho por nada?

O Coringa sorri de maneira mais sarcástica do que insana:

— Não te contaram, doutor? Nada faz sentido em uma cidade como Gotham City! Todo o sentido da minha obra se resume em deixar isso bem claro para as pessoinhas lá de baixo. — ele aponta a arma para a própria cabeça e prossegue — Não me contaram que você era forte como o Hulk, mas eu não vou me deixar apanhar assim tão fácil. Está na hora de minha saída triunfal. Adieu!

O louco aperta o gatilho. Tudo que se ouve são os gritos combinados de Leonard e da Caçadora. Nenhum deles é rápido o bastante para impedir o disparo.

Bang! — diz o Coringa — Sem balas. Peguei vocês, otários. Hahaha HAHAHA hah HAHAHAHA heheheh...

A gargalhada prossegue.

Ao estarrecido doutor Samson resta apenas devolver o Coringa e seu comparsa, Crocodilo, a suas celas, com o auxílio dos policiais que chegam ao terraço. O palhaço não demonstra o menor sinal de resistência.

Horas mais tarde, de volta ao escritório, Samson esvazia sua escrivaninha. Os acontecimentos fugiram ao seu controle e não faz mais sentido permanecer nem mais um momento sob o manto de insanidade que cobre o Asilo Akham e seus diretores. Se este lugar vai contribuir para a deterioração da condição de seus pacientes, ele, pelo menos, não irá compactuar com isso.

Isso não resolve coisa alguma, mas serve de pequeno consolo.

— Você vai deixar Gotham? — pergunta a Caçadora, que entra silenciosa pela janela, mais uma vez — É assim que tudo termina?

O doutor solta um profundo suspiro antes de responder. Ele sempre se sentiu pouco à vontade em seus relacionamentos e, desta vez, não é diferente.

— Não. Este é apenas o começo. Estou voltando para Nova York, mas você pode me procurar se quiser. — ele arruma a luxuosa cadeira de couro que Wolper lhe havia separado sob a mesa — Falei com a dra. Kafka e o coronel Jameson. Eles são granes amigos e pretendemos criar uma forma mais dinâmica de lidar com os meta-humanos mentalmente instáveis. Seria um tipo de força-tarefa-psico-terapêutica. Um SOS das patologias mentais. Se tudo der certo, você vai ouvir falar bastante sobre mim num futuro próximo.

— Não é preciso complicar as coisas com palavras, Leonard. — a Caçadora lança seus lábios de encontro aos dele em um caloroso beijo.

E, assim, sem maiores explicações, ela parte pelo mesmo caminho por onde entrou.

A única diferença é que, desta vez, quando já está para colocar o capacete e sair das propriedades do Asilo com sua moto, ela topa com uma figura soturna. Alguém cuja aproximação ela não teria notado, não fossem as lentes noturnas que ele mesmo lhe entregou há algum tempo.

— Suponho que você esteve com toda a situação sob seu controle, hoje mais cedo. — questiona o Batman, com sua voz encorpada e seca.

— Eu estou bem, obrigada por perguntar. — responde a Caçadora, em seu tom de insubordinação habitual nas discussões com o homem-morcego. Depois, abre um sorriso e continua — Mas eu não poderia perder a chance de posar de "donzela em apuros", não é mesmo?

O cavaleiro das trevas acena com a cabeça em desaprovação.

— Só mais uma coisa. — ele diz — Se encontrar o doutor novamente, mande meus cumprimentos. Não pude falar com ele. Parece ser um homem muito ocupado.



 
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