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Por
Rafael Borges
Leonard Samson fecha a porta de seu apartamento com um suspiro e liga um abajur.
Foi um dia exaustivo e a última coisa que ele quer é lembrar dos holofotes da polícia apontando para seu rosto. Como se qualquer dia de trabalho fosse fácil para alguém no seu ramo; apesar de que não é fácil pensar em mais ninguém que siga essa mesma linha de profissão.
Irradiado por raios gama e com um diploma de medicina pendurado na parede, o dr. Samson é o psiquiatra dos super-heróis. Antes de soltar seu corpo na poltrona da sala, ele liga a secretária eletrônica e imagina o que deve vir por aí.
Beep
Alô, Leonard? Aqui é a dra. Kafka. Estou ligando para agradecer pelo que você fez hoje. Não tem muitas pessoas que seriam capazes de um ato como aquele, perseguindo o Carnificina pelos prédios de Nova York e tudo o mais. Só queria que você soubesse que Cletus Cassady já está de volta a Ravencroft. Falei com o John agora há pouco e ele me garantiu que a nova cela é à prova de fugas.
O trabalho que a dra. Kafka faz no Instituto Ravencroft de Nova York sempre foi uma grande inspiração para Samson. Lidar com todos aqueles supercriminosos não é nada fácil, mas deve ser fascinante. Ela e o coronel John Jameson continuam juntos. Foi muito bom poder ajudar esses dois amigos de longa data.
Beep
Dr. Samson? Aqui é Lois Lane, do Planeta Diário. Eu queria dar os parabéns pela sensacional captura do Carnificina esta noite. Achei incrível a forma como salvou os reféns daquele assassino. E olha que eu estou acostumada com coisas incríveis! Bem, pensei se poderíamos marcar um almoço para que o senhor contasse aos leitores do Planeta como foi essa experiência fascinante, o que acha? Eu ligo outra hora para combinarmos melhor, tudo bem?
Samson já sabia que todo aquele estardalhaço na Broadway iria chamar a atenção da imprensa. Só não esperava que eles conseguissem seu número tão rápido. Essa tal Lane deve ser uma grande repórter.
Beep
Len? Como vai? Aqui é Barry Zedmore, da Paragon Pictures (*). O pessoal aqui em Hollywood ficou impressionado com a sua captura cinematográfica do Carnificina esta noite. Nós estamos muito interessados em adquirir os direitos de filmagem...
Leonard se levanta apressado da poltrona e passa para a próxima mensagem. Cinema? Ele mal pode acreditar no que acabou de ouvir.
Beep
Dr. Leonard Samson? Aqui é Bartholomew Wolper (**), estou falando de Gotham City. Como deve ser de seu conhecimento, o estimado dr. Zebediah Arkham teve de se ausentar da diretoria do asilo por um período de tempo indeterminado devido a problemas emocionais. Estou assumindo a administração interina da instituição e todos nós apreciaríamos muito se pudesse participar da nova equipe do Arkham. Entraremos em contato. Boa noite.
O doutor Samson tem muitos defeitos, mas sabe reconhecer uma oportunidade quando ela aparece. E essa foi uma muito boa.
Delírios e Sonhos no Asilo Arkham Parte I
Um vôo vindo de Nova York faz a aterrissagem no aeroporto de Gotham logo no dia seguinte. Não era uma viagem tão longa, mas o pessoal do Arkham fez questão de pagar todas as despesas. É impossível evitar a impressão de que isso tudo não passa de um golpe de marketing para devolver a credibilidade ao asilo.
Mas, em uma linha de raciocínio com um pouco menos de autocomiseração, podem ter contratado o doutor apenas por mérito, mesmo. Afinal de contas, sua carreira sempre foi cheia de pontos marcantes. E isso não se resume ao fato de ele ter corrido por aí atrás do Hulk por tanto tempo.
Os livros sobre a transformação de Bruce Banner continuam vendendo bem e rendendo um bom dinheiro em royalties, mas a sua verdadeira paixão sempre foi a análise dos indivíduos mentalmente alterados e como isso influencia na criação das pessoas conhecidas como meta-humanos.
E, por mais que tenha sido divertido clinicar para alguns Vingadores e membros do X-Factor, nada se compara às possibilidades abertas por essa chance de interagir com os detentos do Arkham. Parece que não há, em todo o mundo, uma cidade que tenha uma população tão grande dos auto-intitulados supervilões.
Ah! E tem o Batman.
Os pensamentos de Samson são dispersos quando a limusine do asilo dá de cara com uma multidão de repórteres na entrada do Arkham. O motorista consegue passar por entre a pequena multidão, mas, enquanto passam pelos portões, é impossível não encarar as gárgulas que guardam a entrada do lugar. Eles levam o nome da cidade bem a sério por aqui. O interior da instituição também não é muito diferente, com toques góticos por todas as partes.
O primeiro compromisso do doutor é na sala do diretor.
Boa tarde, dr. Samson. diz o dr. Wolper, ajeitando o penteado extravagante. E Leonard pensava que o seu cabelo era estranho para um terapeuta Espero que tenha feito boa viagem.
Muito boa. responde Samson Quer dizer... deve ter sido, considerando a passagem de primeira classe e a limusine que me providenciaram...
Nós apenas gostamos de fazer com que os novatos se sintam bem-vindos. o diretor solta um sorriso sarcástico. Visivelmente, ele não gostou da ironia Sinta-se à vontade para conhecer as nossas instalações.
Bem... para ser sincero, mal posso esperar é para conhecer a figura mais ilustre de Gotham, o Batman. afirma Leonard, tentando quebrar o gelo Ele deve passar um bom tempo por aqui, com todos os seus inimigos estando presos em um só lugar.
Na verdade, acredito que vai logo perceber a estranha natureza do assim chamado homem-morcego. Infelizmente, não podemos deixá-lo aqui com os demais pacientes.
Enquanto Samson deixa a sala, o dr. Wolper só consegue pensar em como é ridícula a idéia de que o cavaleiro das trevas gaste alguma parte de seu tempo para trocar confidências no divã do recém-chegado analista.
Caminhando por entre as alas do asilo, o dr. Samson não consegue parar de pensar sobre a diversidade de psicoses, esquizofrenias e distúrbios que vai encontrar nesta nova etapa de sua vida. Atrás de cada porta por que passa, um novo desafio o espera.
Ele detém sua caminhada e espia, por um momento, por entre as grades de uma das celas. A luz é rarefeita, e adentra o recinto por entre uma janela também com grades. O doutor fica indignado.
Como eles esperam recuperar os pacientes em um ambiente como esse? solta as palavras, sem perceber que pensou alto demais.
Na verdade, eles não esperam. a voz vem do fundo da cela Só colocam a gente aqui para gancar os superiores.
"Gancar"? Samson aperta o olhar e consegue distinguir o baixinho perto da janela. Ele tem uma meia em uma das mãos e o sapato na outra. Sem entender muito bem, ele pergunta O que é isso que está segurando?
Não fale com o Ventríloquo! Ele é só um empregado. Meu nome é Maia. responde o rústico boneco de meia. É impressionante como a voz realmente parece estar saindo de sua boca.
Hmm... lembro de já ter ouvido falar de você! Eles destruíram o boneco Scarface quando o trouxeram para cá, não é mesmo? lentamente, Samson se recorda das manchetes sobre o assunto Mas e o sapato? Você não pode projetar sua voz em um objeto que... nem tem "boca"?
E quem disse que preciso de goca para falar? Meu nome é Sola. a voz que vem do calçado é completamente distinta da usada pela meia. E a sensação se torna ainda mais assustadora ao ver um objeto tão abstrato tomar vida nas mãos do doente.
Leonard se afasta da cela, impressionado com o talento do Ventríloquo. Quais as razões que levariam uma pessoa como ele a concentrar uma habilidade tão sensacional para personalidades divergentes e criminosas?
Pensando sobre isso, ele se recorda de um dos detentos que mais aguardava para conhecer. O paciente se encontra amarrado em uma maca e tem dois soldados de prontidão em frente à sua porta. Tudo isso enquanto não terminam os reparos em sua antiga cela de segurança máxima. Digamos que ele deixou um bom estrago da última vez que escapou do Arkham.
O Coringa! as palavras deixam os lábios do doutor como se tivessem vida própria. Ele não deveria demonstrar seu entusiasmo dessa forma Imagino que esse seu sorriso seja pela felicidade de voltar para casa, não é?
Se escuta, o criminoso não dá nenhuma indicação. Não há resposta e seu olhar mal se altera, permanecendo concentrado em encarar o nada como se esta fosse a mais importante tarefa do mundo.
Samson parte, deixando o Coringa para seus carcereiros. Neste nível de psicose, não há muito que se possa fazer para ajudá-lo. Resta ao médico entender como ele ficou assim e tentar impedir que outras pessoas enveredem pelo mesmo caminho.
Entretido por seu trabalho, o dr. Samson fica até tarde da noite em sua mesa no asilo, estudando os prontuários de todos os detentos. É absurdo que se reunam tantos indivíduos desajustados socialmente sob um mesmo teto. Não espanta que o dr. Arkham tenha tido de tirar umas férias para "relaxar".
A lua cheia é de uma imponência tal naquela noite que quase chega a dispensar a luz elétrica. Quase, pois a cidade não se chamaria Gotham se as sombras que ela projeta assumissem um aspecto um pouco menos assustador. O silêncio sepulcral do asilo é quebrado quando as sirenes policiais soam de repente.
No meio de toda a correria, Leonard percebe que o início do tumulto é no terraço do Arkham. Poderia ser uma fuga, mas os carcereiros não parecem preocupados em pedir seu auxílio. Deve ser alguma outra coisa.
Samson chega ao telhado e percebe três dos soldados segurando o criminoso conhecido como Duas-Caras. Só quando se recorda que Harvey Dent se encontrava foragido nas últimas semanas é que o doutor repara na figura soturna ao lado dos homens. É inimaginável a forma com que ele se mescla às sombras do lugar.
Neste momento, as coisas começam a fazer sentido: Batman capturou o Duas-Caras.
Afoito, Leonard se apressa em chegar mais perto do homem-morcego, que se aproxima mais e mais da beirada do terraço. Ele não pretende perder essa chance.
Espere! grita Samson Eu gostaria de falar um pouco com você, se não se importa.
Sob sua máscara de tecido negro, Batman volta seu olhar para o médico. Seus olhos encaram o dr. Samson de cima a baixo. E a figura de um psiquiatra com uma camiseta vermelha, jaleco branco e os cabelos verdes em um rabo-de-cavalo é quase tão estranha quanto sua própria aparência de roedor alado.
Sem esboçar nenhuma expressão, o cavaleiro das trevas lança seu corpo no ar, usando sua capa como asas para planar de volta ao batmóvel. Samson fica para trás, sem nenhuma resposta e ainda pasmo com o que acaba de acontecer.
Ele é sempre assim? indaga Leonard.
Você não viu nada. responde um dos carcereiros.
:: Notas do Autor
(*) Barry Zedmore e a Paragon apareceram nas histórias do Batman de Chuck Dickson. Durante a cruzada de Azrael como o homem-morcego, o Coringa tentou fazer um filme sobre a morte de seu maior inimigo. Essas histórias, que fazem parte da saga "A Queda do Morcego", não são consideradas na cronologia do Hyperfan, mas consideramos a existência do estúdio como válida. 
(**) Bartholomew Wolper apareceu originalmente no clássico "Batman: o Cavaleiro das Trevas". Ele era o médico responsável pelas "recuperações" de Harvey Dent e do Coringa. Apesar de "O Cavaleiro das Trevas" ser considerado um futuro alternativo do Batman, a existência de Wolper é bem plausível na continuidade normal.
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