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Doutor Estranho e Hellblazer - O Estranho e o Louco # 03

Por Alexandre Mandarino

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Houma, Louisiana

— Feliz em ver você? — Perguntou Stephen Strange. — Na verdade, estou surpreso. Mas me disseram que eu teria a ajuda de um homem loiro.

— Eh. E quem você esperava? Rutger Hauer? Mas o que o faz pensar que eu vou ajudá-lo? — respondeu John Constantine.

— Você está aqui pelo mesmo motivo que eu. O livro.

— Que livro?

— Constantine, você não está lidando com um de seus amigos amadores.

— Droga, tá legal. Pra que o drama? Eu vim pra cá atrás do Apocryphon, sim. E logo vi que você não estava na Louisiana atrás de bourbon. Se bem que você já foi bem chegado a uma pinga, né?

— Meu passado não lhe diz respeito. O que fará com o livro se encontrá-lo?

— O mesmo que você.

— Ainda não estou certo do que fazer com ele.

— Foi o que eu disse. Mas me diga, Stephen. Todo elegante, de sobretudo. E adorei o cavanhaque. O que houve com a fantasia de Houdini?

— Estas roupas são apenas uma ilusão, Constantine. Na verdade, estou usando meu velho traje. Você deveria ter percebido o truque.

— E percebi. A primeira coisa que vi você vestindo foi justamente seu traje antigo e... eh, peculiar. Mas segundos depois virou um sobretudo. Tive que me esforçar para ver sua ilusão e não para enxergar além dela.

— Bem, apesar de tudo, você é um mago poderoso.

— Ora, obrigado. Que Vishanti esteja com você, Stephen — disse John, com um sorriso sardônico.

Strange sorriu, olhou de lado enquanto voltava a caminhar e perguntou:

— Ainda dorme rodeado de fantasmas?

John arregalou os olhos.

— Como você... ah, deixa pra lá. Tá, você venceu. Chega desse jogo. Por onde começamos?

— Primeiro, sugiro que você entre na pensão e se hospede devidamente. Depois decidiremos.

A dois quarteirões dali, um velho ônibus escolar viajava lentamente pelas estradas esburacadas. Em seu interior, dez homens se mantinham em silêncio. Finalmente, o motorista perguntou:

— OK, alguém tem alguma idéia de como encontraremos o tal livro?

— Ainda não — disse o mais velho do grupo. — Mas o Vaticano ofereceu muito dinheiro. Temos que encontrá-lo.

Os dois homens subiram as escadas. Constantine abriu a porta de seu quarto e largou sua única mala no chão. Olhou em volta com desagrado e disse:

— Humpf. Já vi antros de junkies mais simpáticos.

— Não duvido — falou Stephen. — Bem, vamos começar de uma vez. Segui a trilha do Apocryphon desde a Califórnia e...

— Ela o trouxe até aqui. Já imaginava. Vamos encurtar a história, "Doutor". Tenho razões para acreditar que o Apocryphon está com um amigo meu.

— Um... "amigo" seu... aqui? Então vamos logo...

— Calma. Se estiver com ele, está em boas mãos.

— Mas que amigo é esse?

— Ele vive nos pântanos.

— O Homem-Coisa? Já estive com ele. Ele teve o livro, mas foi roubado das mãos de suas companheiras.

— Que Homem-Coisa? Estou falando do elemental!

— O elemental do verde? Então ele existe mesmo?

— Claro... Vai me dizer que nunca viu o velho Monstro?

— Não.

— Strange, meu velho, você não sabe o que tá perdendo. Pensando bem, vocês têm muito em comum. O jeito de falar, sabe... — riu o inglês.

— E ele é mesmo o elemental das plantas?

— Sim. E descobriu isso graças a mim, acredita? O tapado não tinha a menor idéia da própria condição até eu aparecer. Mas você deve ter visto na TV o que ele fez em Gotham anos atrás. Eu adorei.

— Me lembro vagamente.

— Hah, duvido que exista uma TV naquele seu casarão.

— Tenho uma vantagem sobre você, Constantine. Você se engana a meu respeito; já eu sei exatamente quem você é.

— Eh. E quem é esse Coisa-Homem?

— Homem-Coisa. Pelo que me disseram desse elemental do verde, têm origens bem parecidas. Mas o Homem-Coisa não é um elemental. É um ser irracional, feito de lama, musgo e barro. Entende apenas os sentimentos, como um empata.

— E o que ele faz no pântano?

— É o guardião do Vórtex dimensional.

— Ui! Se ele sair de lá, Dormammu entra na terra, é? Fala sério, Stephen!

Strange riu do jeito de Constantine e respondeu:

— Não, Dormammu não. Já Howard, o Pato...

— Quem?

— Esqueça.

— Não, quem é Howard?

— Um pato falante de outra dimensão. Mas me diga: você acha que o...

— Peraí. "Pato falante"? Strange, você precisa me dizer o que você anda tomando. Deve ser ótimo.

— Constantine, estamos perdendo tempo. Repetindo: você acha que o Apocryphon é mesmo o livro perdido escrito pelo Messias?

— Que Messias?

— Heh. Palavras estranhas para quem enfrentou o "Primeiro dos Caídos".

A expressão de John ficou séria e ele respondeu:

— Não sei o que pensar desse livro e, sinceramente, não me importa. Só sei é que ele pode, sim, ter algum poder.

Enquanto isso, no saguão da pensão, dez homens entravam. Um deles conversou por alguns instantes com o atendente, que apontou para as escadas. Moedas de ouro trocaram de mãos e o grupo subiu.

— E onde encontramos o elemental?

— O Monstro do Pântano deve estar em sua casa de madeira, folhas e raízes no meio do bayou. Se eles ainda morarem lá, vai ser fácil encontrá-los.

— "Eles"? Existe uma companheira elemental?

— Hah. Nem tão elemental assim. Aliás, você vai adorar Abby, a não ser que ela tenha pintado os cabelos. Ainda está com a Clea?

Nesse instante, a porta foi derrubada e um grupo de homens entrou ruidosamente. Strange levantou-se de um salto, enquanto Constantine os fitava de uma forma estranha, ainda sentado na cama.

— Muito bem. Vocês foram os únicos forasteiros que chegaram a Houma hoje. Onde está o livro, hereges?

— Eh. Eh, eh. Ah, ah, ah, ah. — Constantine desatou a rir. — Onde vocês aprenderam esses diálogos? Em um filme do Roger Corman? Eh, eh, ah, ah.

Três dos homens sacaram de estranhas armas de madeira e começaram a atirar. Antes que a dupla de ocultistas pudesse fazer qualquer coisa, jatos de água dançaram pelo quarto.

— A água benta vai fazê-los falar.

Estranho finalmente gesticulou:

— E os anéis de Raggaddorr vão calar suas bocas.

Imediatamente, anéis selaram as bocas dos dez homens, que não conseguiam sair de onde estavam.

— Sacanagem, Estranho, você acabou com a brincadeira! Água benta, ah, ah, ah! Quem são esses palhaços?

— Não faço idéia, mas o Olho de Agamotto vai nos contar.

O olho dourado flutuou do peito de Stephen até pousar em sua testa onde, finalmente, se abriu. Uma claridade dourada banhou um dos homens.

— São mercenários contratados pelo Vaticano. Isso é quase...

— Patético.

— Sim. Dessa vez você está certo, John.

— Esse livro tem pretensos donos bem curiosos.

— Sim. Este grupo vai esquecer toda essa história. Agora, vamos encontrar seu elemental.

Assim que puseram o pé fora da pensão, Strange e Constantine foram surpreendidos por um clarão. Um cheiro de enxofre tomou as ruas e o tempo pareceu parar.

— Quieto, Constantine.

— O que é isso?

— Três palavras: Morgana Le Fay.

— Você me reconheceu, Strange. Estou lisonjeada — disse a feiticeira.

— Peraí... Morgana Le Fay. Ela existe? — espantou-se Constantine.

— Infelizmente, sim — assentiu Estranho. — O que você quer, Morgana? Veio buscar o livro?

— Não me interessa este livro. Não me importo com crenças e religiões que não possuem fundamento. Meu maldito meio-irmão acreditava nessas bobagens. E veja: ele continua morto há séculos, enquanto eu estou aqui.

— E o que quer?

— Atenção em seus passos, Strange. O livro não é o que parece. E, veja... que surpresa! Em poucos meses, você será um outro homem! Ah, ah!

Abafada pela nuvem de enxofre, a bruxa secular desapareceu. Depois de alguns minutos, Constantine comentou:

— Que noite mais desgraçada...

Minutos depois, a dupla pousava na fronteira do bayou.

— Chega, Strange! Me solta. Porra, é horrível isso. Você não sabe mais andar, não? Caminhar que nem gente?

— Confesso que prefiro caminhar, Constantine. Mesmo porque estou exausto. Mas não há tempo. Agora, onde está esse elemental?

— Mais à frente.

Mal acabou de dizer estas palavras, Constantine foi surpreendido por um galho, que surgiu à frente da dupla, mexendo-se como um braço.

— Calma, Strange. É ele. Basta seguirmos este... err... galho.

Após cinco minutos de caminhada pelo bayou, o estranho e o louco chegaram a uma singular construção sob uma árvore. Uma verdadeira mansão de madeira, folhas e fungos. Entraram em um salão e uma voz se fez ouvir.

— Que problemas... você traz... desta vez, Constantine?

— Putz. Ainda não conseguiu criar uma laringe decente com essas raízes? Monstrinho, olha só: essa figura aqui é Stephen Strange, mas pode chamar de Doutor Estranho que ele não fica chateado. Juro.

— O que... vocês... querem?

— É... impressionate — disse Strange. — Este ser... tem um grande poder. É tão... é quase belo.

— Viu? Sabia que vocês iam se entender. Ah, e eu disse brincando, mas você está mesmo falando como ele, Doutor.

— Você... é... o mago... supremo. Senti... sua emanação... dentro e... ao redor... do verde.

— O... ""verde"?

— Sim... o campo que...

— Peraí, Pântano, deixa que eu falo ou essa conversa só termina amanhã. O verde é o tal campo que emana de — ou representa, sei lá — a consciência do mundo vegetal — disse John.

— É fascinante. Precisamos conversar mais tarde com mais calma — afirmou Estranho.

— Pode chamá-lo de Alec, Doutor. Mas vamos ao que interessa. Pântano, você está com um livro?

— Um... livro... Constantine?

— Espere... faz sentido! Jericho Drumm me disse que o livro foi roubado dele por raízes que se mexiam. Se essa criatura controla o verde, então... — raciocinou Estranho.

— Eu... peguei... o que procuram.

— Não me diga que não está mais com você — disse Constantine. — O Estranho aqui tem um infarto se mais alguém tiver roubado o livro.

— Ele... não está... comigo...

— Putz — disse John.

— Mas... está... aqui. Abby...

Das sombras, uma mulher de cabelos brancos e prateados se aproximou.

— Olá, John. Mais uma vez, você se intromete em nossas vidas.

— Também tive saudades, querida. Mas o que você quer com o livro?

— ...

— Abby... acreditava que... o livro poderia... transformá-la... em...

— Ah, não! — Interrompeu John. — Deixa eu adivinhar: Abby queria se transformar em um elemental. Essa é ótima.

— Mas percebo que vocês possuem uma relação estável e funcional — disse Strange.

— Pois é — emendou John. — A mulher mistura sexo com psicodelia e ainda reclama. Mas você poderia ter tido sucesso, Arcane, querida. Afinal, só mesmo alguém com cérebro de samambaia para ter essa idéia.

— Constantine... veja... como fala... com... minha... esposa — disse o Monstro do Pântano.

— Esperem, parem com isso — disse Estranho. — Não há motivos para briga. Sra. Holland, é uma pena, mas o livro provavelmente não possui esse poder. Mas certamente abriga outros tipos de segredos.

Abigail Cable olhou para Stephen com olhos úmidos. Então, repentinamente, voltou as costas e desapareceu no interior da casa. Segundos depois, retornava com estranhos papiros nas mãos. Estendeu-os na direção de Stephen.

— Tome. Os livros são seus.

— UAU! Conheceu há dez minutos e já ganhou. Meu charme não é mais o mesmo. Devem ser essas têmporas grisalhas, hein, meu velho? — disse John.

Mas Estranho não escutou. Assim que tocou nos papiros, o Olho de Agamotto começou a brilhar. E, na mente do mago supremo, diversas cenas ao mesmo tempo familiares e estranhas passaram como em um teatro de sombras. Chicotadas. Um caminho marcado pela dor e pela humilhação. Agonia. Uma paródia da trindade apoiada sobre cruzes no Calvário. Uma sombra (um irmão? O Outro?). E um nome sussurrado com amor, rosas, pedradas e devoção:

"Maria Madalena."

Há muitos meses o mestre das artes místicas não chorava.



 
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