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Por
Alexandre Mandarino
Solutio
Houma, Louisiana
Feliz
em ver você? Perguntou Stephen Strange. Na
verdade, estou surpreso. Mas me disseram que eu teria a ajuda
de um homem loiro.
Eh. E quem você esperava? Rutger Hauer? Mas o que
o faz pensar que eu vou ajudá-lo? respondeu John
Constantine.
Você está aqui pelo mesmo motivo que eu. O
livro.
Que livro?
Constantine, você não está lidando
com um de seus amigos amadores.
Droga, tá legal. Pra que o drama? Eu vim pra cá
atrás do Apocryphon, sim. E logo vi que você
não estava na Louisiana atrás de bourbon.
Se bem que você já foi bem chegado a uma pinga, né?
Meu passado não lhe diz respeito. O que fará
com o livro se encontrá-lo?
O mesmo que você.
Ainda não estou certo do que fazer com ele.
Foi o que eu disse. Mas me diga, Stephen. Todo elegante,
de sobretudo. E adorei o cavanhaque. O que houve com a fantasia
de Houdini?
Estas roupas são apenas uma ilusão, Constantine.
Na verdade, estou usando meu velho traje. Você deveria ter
percebido o truque.
E percebi. A primeira coisa que vi você vestindo
foi justamente seu traje antigo e... eh, peculiar. Mas segundos
depois virou um sobretudo. Tive que me esforçar para ver
sua ilusão e não para enxergar além dela.
Bem, apesar de tudo, você é um mago poderoso.
Ora,
obrigado. Que Vishanti esteja com você, Stephen disse
John, com um sorriso sardônico.
Strange sorriu,
olhou de lado enquanto voltava a caminhar e perguntou:
Ainda
dorme rodeado de fantasmas?
John arregalou
os olhos.
Como
você... ah, deixa pra lá. Tá, você venceu.
Chega desse jogo. Por onde começamos?
Primeiro, sugiro que você entre na pensão
e se hospede devidamente. Depois decidiremos.

A dois quarteirões
dali, um velho ônibus escolar viajava lentamente pelas estradas
esburacadas. Em seu interior, dez homens se mantinham em silêncio.
Finalmente, o motorista perguntou:
OK,
alguém tem alguma idéia de como encontraremos o
tal livro?
Ainda não disse o mais velho do grupo.
Mas o Vaticano ofereceu muito dinheiro. Temos que encontrá-lo.

Os dois homens subiram
as escadas. Constantine abriu a porta de seu quarto e largou sua
única mala no chão. Olhou em volta com desagrado
e disse:
Humpf.
Já vi antros de junkies mais simpáticos.
Não duvido falou Stephen. Bem, vamos
começar de uma vez. Segui a trilha do Apocryphon desde
a Califórnia e...
Ela o trouxe até aqui. Já imaginava. Vamos
encurtar a história, "Doutor". Tenho razões
para acreditar que o Apocryphon está com um amigo
meu.
Um... "amigo" seu... aqui? Então vamos
logo...
Calma. Se estiver com ele, está em boas mãos.
Mas que amigo é esse?
Ele vive nos pântanos.
O Homem-Coisa? Já estive com ele. Ele teve o livro,
mas foi roubado das mãos de suas companheiras.
Que Homem-Coisa? Estou falando do elemental!
O elemental do verde? Então ele existe mesmo?
Claro... Vai me dizer que nunca viu o velho Monstro?
Não.
Strange, meu velho, você não sabe o que tá
perdendo. Pensando bem, vocês têm muito em comum.
O jeito de falar, sabe... riu o inglês.
E ele é mesmo o elemental das plantas?
Sim. E descobriu isso graças a mim, acredita? O
tapado não tinha a menor idéia da própria
condição até eu aparecer. Mas você
deve ter visto na TV o que ele fez em Gotham anos atrás.
Eu adorei.
Me lembro vagamente.
Hah, duvido que exista uma TV naquele seu casarão.
Tenho uma vantagem sobre você, Constantine. Você
se engana a meu respeito; já eu sei exatamente quem você
é.
Eh. E quem é esse Coisa-Homem?
Homem-Coisa. Pelo que me disseram desse elemental do verde,
têm origens bem parecidas. Mas o Homem-Coisa não
é um elemental. É um ser irracional, feito de lama,
musgo e barro. Entende apenas os sentimentos, como um empata.
E o que ele faz no pântano?
É o guardião do Vórtex dimensional.
Ui! Se ele sair de lá, Dormammu entra na terra,
é? Fala sério, Stephen!
Strange riu
do jeito de Constantine e respondeu:
Não,
Dormammu não. Já Howard, o Pato...
Quem?
Esqueça.
Não, quem é Howard?
Um pato falante de outra dimensão. Mas me diga:
você acha que o...
Peraí. "Pato falante"? Strange, você
precisa me dizer o que você anda tomando. Deve ser ótimo.
Constantine, estamos perdendo tempo. Repetindo: você
acha que o Apocryphon é mesmo o livro perdido escrito pelo
Messias?
Que Messias?
Heh. Palavras estranhas para quem enfrentou o "Primeiro
dos Caídos".
A expressão
de John ficou séria e ele respondeu:
Não
sei o que pensar desse livro e, sinceramente, não me importa.
Só sei é que ele pode, sim, ter algum poder.

Enquanto isso, no
saguão da pensão, dez homens entravam. Um deles
conversou por alguns instantes com o atendente, que apontou para
as escadas. Moedas de ouro trocaram de mãos e o grupo subiu.

E onde encontramos
o elemental?
O Monstro do Pântano deve estar em sua casa de madeira,
folhas e raízes no meio do bayou. Se eles ainda
morarem lá, vai ser fácil encontrá-los.
"Eles"? Existe uma companheira elemental?
Hah. Nem tão elemental assim. Aliás, você
vai adorar Abby, a não ser que ela tenha pintado os cabelos.
Ainda está com a Clea?
Nesse instante,
a porta foi derrubada e um grupo de homens entrou ruidosamente.
Strange levantou-se de um salto, enquanto Constantine os fitava
de uma forma estranha, ainda sentado na cama.
Muito
bem. Vocês foram os únicos forasteiros que chegaram
a Houma hoje. Onde está o livro, hereges?
Eh.
Eh, eh. Ah, ah, ah, ah. Constantine desatou a rir.
Onde vocês aprenderam esses diálogos? Em um filme
do Roger Corman? Eh, eh, ah, ah.
Três
dos homens sacaram de estranhas armas de madeira e começaram
a atirar. Antes que a dupla de ocultistas pudesse fazer qualquer
coisa, jatos de água dançaram pelo quarto.
A água
benta vai fazê-los falar.
Estranho finalmente
gesticulou:
E os
anéis de Raggaddorr vão calar suas bocas.
Imediatamente,
anéis selaram as bocas dos dez homens, que não conseguiam
sair de onde estavam.
Sacanagem,
Estranho, você acabou com a brincadeira! Água benta,
ah, ah, ah! Quem são esses palhaços?
Não faço idéia, mas o Olho de Agamotto
vai nos contar.
O olho dourado
flutuou do peito de Stephen até pousar em sua testa onde,
finalmente, se abriu. Uma claridade dourada banhou um dos homens.
São
mercenários contratados pelo Vaticano. Isso é quase...
Patético.
Sim. Dessa vez você está certo, John.
Esse livro tem pretensos donos bem curiosos.
Sim. Este grupo vai esquecer toda essa história.
Agora, vamos encontrar seu elemental.

Assim que puseram
o pé fora da pensão, Strange e Constantine foram
surpreendidos por um clarão. Um cheiro de enxofre tomou
as ruas e o tempo pareceu parar.
Quieto,
Constantine.
O que é isso?
Três palavras: Morgana Le Fay.
Você me reconheceu, Strange. Estou lisonjeada
disse a feiticeira.
Peraí... Morgana Le Fay. Ela existe? espantou-se
Constantine.
Infelizmente, sim assentiu Estranho. O que
você quer, Morgana? Veio buscar o livro?
Não me interessa este livro. Não me importo
com crenças e religiões que não possuem fundamento.
Meu maldito meio-irmão acreditava nessas bobagens. E veja:
ele continua morto há séculos, enquanto eu estou
aqui.
E o que quer?
Atenção em seus passos, Strange. O livro
não é o que parece. E, veja... que surpresa! Em
poucos meses, você será um outro homem! Ah, ah!
Abafada pela
nuvem de enxofre, a bruxa secular desapareceu. Depois de alguns
minutos, Constantine comentou:
Que
noite mais desgraçada...

Minutos depois, a
dupla pousava na fronteira do bayou.
Chega,
Strange! Me solta. Porra, é horrível isso. Você
não sabe mais andar, não? Caminhar que nem gente?
Confesso que prefiro caminhar, Constantine. Mesmo porque
estou exausto. Mas não há tempo. Agora, onde está
esse elemental?
Mais à frente.
Mal acabou
de dizer estas palavras, Constantine foi surpreendido por um galho,
que surgiu à frente da dupla, mexendo-se como um braço.
Calma,
Strange. É ele. Basta seguirmos este... err... galho.
Após
cinco minutos de caminhada pelo bayou, o estranho e o louco
chegaram a uma singular construção sob uma árvore.
Uma verdadeira mansão de madeira, folhas e fungos. Entraram
em um salão e uma voz se fez ouvir.
Que
problemas... você traz... desta vez, Constantine?
Putz. Ainda não conseguiu criar uma laringe decente
com essas raízes? Monstrinho, olha só: essa figura
aqui é Stephen Strange, mas pode chamar de Doutor Estranho
que ele não fica chateado. Juro.
O que... vocês... querem?
É... impressionate disse Strange.
Este ser... tem um grande poder. É tão... é
quase belo.
Viu? Sabia que vocês iam se entender. Ah, e eu disse
brincando, mas você está mesmo falando como ele,
Doutor.
Você... é... o mago... supremo. Senti... sua
emanação... dentro e... ao redor... do verde.
O... ""verde"?
Sim... o campo que...
Peraí, Pântano, deixa que eu falo ou essa
conversa só termina amanhã. O verde é o tal
campo que emana de ou representa, sei lá
a consciência do mundo vegetal disse John.
É fascinante. Precisamos conversar mais tarde com
mais calma afirmou Estranho.
Pode chamá-lo de Alec, Doutor. Mas vamos ao que
interessa. Pântano, você está com um livro?
Um... livro... Constantine?
Espere... faz sentido! Jericho Drumm me disse que o livro
foi roubado dele por raízes que se mexiam. Se essa criatura
controla o verde, então... raciocinou Estranho.
Eu... peguei... o que procuram.
Não me diga que não está mais com
você disse Constantine. O Estranho aqui tem
um infarto se mais alguém tiver roubado o livro.
Ele... não está... comigo...
Putz disse John.
Mas... está... aqui. Abby...
Das sombras,
uma mulher de cabelos brancos e prateados se aproximou.
Olá,
John. Mais uma vez, você se intromete em nossas vidas.
Também tive saudades, querida. Mas o que você
quer com o livro?
...
Abby... acreditava que... o livro poderia... transformá-la...
em...
Ah, não! Interrompeu John. Deixa eu
adivinhar: Abby queria se transformar em um elemental. Essa é
ótima.
Mas percebo que vocês possuem uma relação
estável e funcional disse Strange.
Pois é emendou John. A mulher mistura
sexo com psicodelia e ainda reclama. Mas você poderia ter
tido sucesso, Arcane, querida. Afinal, só mesmo alguém
com cérebro de samambaia para ter essa idéia.
Constantine... veja... como fala... com... minha... esposa
disse o Monstro do Pântano.
Esperem, parem com isso disse Estranho. Não
há motivos para briga. Sra. Holland, é uma pena,
mas o livro provavelmente não possui esse poder. Mas certamente
abriga outros tipos de segredos.
Abigail Cable
olhou para Stephen com olhos úmidos. Então, repentinamente,
voltou as costas e desapareceu no interior da casa. Segundos depois,
retornava com estranhos papiros nas mãos. Estendeu-os na
direção de Stephen.
Tome.
Os livros são seus.
UAU! Conheceu há dez minutos e já ganhou.
Meu charme não é mais o mesmo. Devem ser essas têmporas
grisalhas, hein, meu velho? disse John.
Mas Estranho
não escutou. Assim que tocou nos papiros, o Olho de Agamotto
começou a brilhar. E, na mente do mago supremo, diversas
cenas ao mesmo tempo familiares e estranhas passaram como em um
teatro de sombras. Chicotadas. Um caminho marcado pela dor e pela
humilhação. Agonia. Uma paródia da trindade
apoiada sobre cruzes no Calvário. Uma sombra (um irmão?
O Outro?). E um nome sussurrado com amor, rosas, pedradas e devoção:
"Maria
Madalena."
Há muitos
meses o mestre das artes místicas não chorava.

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