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Doutor Estranho - Sympathy For The Devil # 02

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

What's Puzzling You Is The Nature Of My Game

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"Os anos passaram e o casamento de Shiro e Akemi foi se deteriorando com o tempo. Ela nunca aceitou o pacto que fiz com seu marido. Mas foi graças a mim que Shiro conseguiu dinheiro e poder dentro da corporação Fujikawa. Eles mudaram-se para Tóquio logo após o pacto. O problema é que Shiro não cumpriu sua parte no trato: divulgar a doutrina de meu pai terreno, Aleister Crowley."

"Por isso, quando tomei a decisão de ter um filho ao descobrir que iria morrer, escolhi a esposa de Shiro para ser a mãe da criança. Era um preço justo a pagar pela omissão. Fui a Tóquio e procurei por ele, sem avisá-lo. Quando o encontrei, ele havia brigado com a esposa mais uma vez."

"Akemi era uma pessoa infeliz, seu marido não a amava mais. Além disso, tinha abandonado sua carreira de jazz para gravar j-pops, as músicas para animes, que lhe davam mais dinheiro. Tinha começado essa carreira assim que voltou para Tóquio; a oportunidade surgiu, o dinheiro era bom. Mas no fundo queria voltar para sua vida antiga em Nova York. Todas as noites o casal brigava e o clima na casa era de ódio puro. Ideal para a minha presença."

"Triste por mais uma noite de briga, Shiro saiu de casa e foi para um bar. Ele ainda mantinha o gosto pela música e foi assistir ao show de uma cantora brasileira que tocava bossa nova. Entrei no mesmo bar, que era bastante escuro. A única luz realmente digna desse nome era a do palco. A cantora era boa, tinha bom repertório, mas a única coisa em que Shiro prestava atenção era no fundo de seu copo. Estava sozinho no balcão quando sentei ao seu lado."

— Olá, Shiro! Lembra-se de mim?

— Bishop? Meu Deus, há quanto tempo não te vejo.

— Não use o nome de Deus. Você sabe que não gosto dele.

— Desculpe, esqueci disto. Como vai?

— Não muito bem. Assim como você, pelo visto.

— O que você sabe da minha vida? — "Shiro de repente pareceu acordar de sua embriaguez, meio assustado com o meu tom de voz."

— Tudo! Sabe, Shiro, você não cumpriu sua parte no trato.

— Que parte? — "falou ele, ainda mais nervoso."

— Como assim, que parte? — "aumentei o volume de minha voz para deixá-lo ainda mais assustado" — Você não divulgou a doutrina de meu pai!

— É que eu não acreditava nela. Desculpe-me! — "falou ele, num tom meio choroso."

— Não acreditava? Você pensou que ganharia tudo de graça?

— É que com o dia-a-dia dos negócios acabei me envolvendo demais no trabalho. É por isso que meu casamento acabou! O que direi então de uma reles doutrina mística?

— Reles? É graças a ela que você tem tudo o que possui hoje! Sem ela, você não seria nada, seu merda!

— Não sei se estaria tão agradecido assim por tudo o que tive...

— Você é um fraco! Deveria tomar tudo de você, e fazê-lo sofrer bastante. Mas sou um homem bom, apesar de tudo. Estou até pensando em ter um filho, sabia? — "falei, mais calmamente."

— Fi-filho? — "Shiro bebia sua vodka (ele preferia as bebidas estrangeiras), sem entender ainda onde eu queria chegar."

— Sim, um filho. Um filho que vai herdar meus poderes e seguirá minha doutrina. Ele fará todo o mal que eu não puder mais fazer. E sabe quem vai ser a mãe? Sua esposa! Não é uma boa notícia? — "falei, com um sorriso cínico."

— Akemi? Por que ela? — "ele disse, assustado."

— Para te punir! E por ela ter recusado a unir-se a mim. Você a amava, não é, Shiro?

— Não sei... acho que sim. Mas hoje eu apenas a odeio!

— Isso, Shiro! Isso! — "falei, em meio a gargalhadas" — Você me levará a ela sem reclamar, então?

— Se isso servir como pagamento da minha parte no trato...

— Sim, irá. E tenho que ser honesto com você: estou morrendo, estou com AIDS. E provavelmente ela pegará minha doença.

— E seu filho não nascerá doente?

— Não se preocupe, Shiro. Já fiz todas as magias necessárias para protegê-lo no momento da concepção. Na verdade, já existem casos comprovados cientificamente de crianças que não foram infectadas pelos pais. Você não se incomoda de sua esposa ficar doente, certo?

— Não, não. Só quero me livrar dela.

— Ótimo! Hoje em dia já existem muitas drogas para amenizar o sofrimento dos portadores do HIV. Eu mesmo as uso, e veja como estou bem.

— Claro, claro!

— Então vamos à sua casa agora, e tudo ficará resolvido.

"Shiro bebeu mais um copo de vodka, levantou-se e levou-me à sua casa. Era um apartamento luxuoso, a entrada era suntuosa. Um imenso chafariz, imponente, todo iluminado com cores em tons violeta, destacava o prédio dos demais na rua. Ele morava no vigésimo andar."

"Ao chegarmos, Shiro estava tão bêbado que não conseguia abrir a porta. Tomei o molho de chaves de sua mão e tive que eu mesmo abrir. O apartamento era bonito. A sala tinha uma grande mesa no estilo japonês. Grandes janelas davam uma bela vista de Tóquio. A prataria era imponente e muitos móveis e enfeites lembravam o Japão antigo."

"Akemi estava no banho. Seus longos cabelos negros molhados grudavam em seu corpo, a água deslizava pelos seus seios, escorrendo por todo seu corpo. O banheiro cheirava a perfumes como sândalo e outras flores, dando ao ambiente um aroma agradabilíssimo. Ela saiu do box, começou a enxugar-se, quando me viu tomou um susto."

— Quem é você? Saia já da minha casa! — "berrava ela, escondendo seu corpo com a toalha. O que me encheu de tesão."

— Ora, não me reconhece mais, minha cara Akemi? — "perguntei olhando em seus olhos, para em seguida gargalhar."

— Você... Bishop! — "afirmou, incrédula, quase sussurrando meu nome."

— Sim, eu mesmo. Você já me recusou uma vez, mas hoje não irá recusar uma segunda.

"Neste instante, Shiro entrou no banheiro, agarrou sua esposa pelos braços e a retirou em direção ao quarto. Ela debatia-se como um inseto que acabou de ser pisado, mas ainda não morreu. Eu a agarrei pela cintura, lhe dei um beijo. Ela mordeu meus lábios, o que me fez sorrir. Lambendo meu próprio sangue, arremessei-a em direção a cama. Ela tentou levantar-se, mas desferi um tapa em seu rosto. Ela caiu novamente, atordoada. Shiro aproveitou-se para amarrar seus pulsos na cama. Em seguida, colocou um pano em sua boca, o que impedia que ela gritasse. Passei o dedo indicador em minha ferida, molhei-o bastante com meu sangue, e em seguida passei o mesmo dedo em sua vagina. Enquanto lágrimas escorriam de seus olhos, tirei minha roupa. Shiro abriu uma garrafa de Johnny Walker, bebeu-a sozinho, assistindo-me penetrar sua esposa."

"Confesso que não me limitei a apenas fecundá-la. Pelo contrário, me aproveitei ao máximo dela. Pra falar a verdade, foi a melhor trepada da minha vida. A cada lágrima que escorria de seus olhos, meu pau tornava-se mais rijo. Não gozei apenas uma vez; foram tantas quanto pude agüentar. Akemi no início relutava em me deixar, se remexia na cama como podia, mas isso apenas me excitava mais. Quando ela fazia isso, eu lhe dava algumas pancadas pelo corpo e, depois de um tempo, ela simplesmente parou."

"Quando terminei, vesti minha roupa. Olhei para Shiro, ele estava deitado no chão, semiconsciente, com baba escorrendo de sua boca. Ao seu lado, a garrafa de Johnny Walker vazia."

— Sua esposinha é mesmo muito gostosa. — "disse para ele, indo embora em seguida."

"Ele olhava pra mim, mas não tenho certeza de que tenha entendido o que eu disse."

"O mal dos homens é algo chamado consciência. No dia seguinte, ao acordar, Shiro sentiu um imenso remorso pelo que fez. Para ele, o que fiz foi algo abominável. Pobre homem, deveria ter orgulho por ter me permitido engravidar sua esposa. Mas, para ele, isso era uma monstruosidade sem tamanho. Juntando ao fato de que a estuprei e ainda transmiti-lhe o vírus da AIDS, Shiro quase enlouqueceu. Ele pegou sua arma calibre 38 e colocou duas balas no tambor: uma para a esposa, outra para si próprio. Encostou a arma no crânio de Akemi, que estava dormindo (a essa altura, mais pelo cansaço do que por tranqüilidade). Quando ia apertar o gatilho, lembrou-se de alguém que odiava, apesar dos anos. A ponto de tirar a vida de sua esposa, Shiro lembrou-se do último amante dela: o Doutor Estranho."

"Shiro foi aos EUA procurar o antigo desafeto, já sabendo que no momento ele era um homem completamente diferente. Teve receio em dirigir-se diretamente a ele, e procurou primeiro Wong, o empregado de Estranho. Depois de seguí-lo por algumas horas, Shiro abordou-o diretamente quando este saia de casa."

— Por favor... — "disse Shiro."

— Pois não?

— Você é Wong, o auxiliar do Doutor Estranho, correto?

— Sim, sou eu mesmo.

— Preciso falar com você, preciso da ajuda do mago.

— E por que não se dirige diretamente a ele?

— Não, tenho meus motivos, que logo você irá entender. Venha, deixe-me pagar um café e conversaremos um pouco.

"Os dois entraram em um restaurante de esquina. Era final de tarde, como quando o céu já está escurecendo, mais ainda não se pode dizer que é noite. Sentaram-se um uma mesa mais afastada do balcão, o que lhes dava alguma privacidade. Wong tomou um chá. Já Shiro preferiu o seu uísque de sempre. Relaxado com a bebida, Shiro contou a história para Wong, omitindo alguns fatos. Mas o essencial ele contou — havia feito uma coisa monstruosa com sua esposa, e Estranho, o antigo namorado dela, era o único que poderia ajudar a que um mal maior fosse feito."

— O que você quer então é que meu mestre faça um exorcismo? — "perguntou Wong."

— Chame como quiser. Só não quero que essa criança demoníaca venha ao nosso mundo.

— E tem como você trazê-la para cá?

— Não, acho que não. Ela não conseguiria olhar pra mim de novo, acho. O ideal seria que o Doutor Estranho fosse ao Japão.

— Irei falar com meu mestre. Tome, este é o telefone dele. — "Wong passou a Shiro um cartão com o número de Estranho" — Logo iremos entrar em contato.

— Muito obrigado! Você deu um pouco de alívio a uma alma culpada.

"Os dois logo se retiraram, e cada um seguiu seu caminho. Shiro retornou ao Japão e a esperança de salvar Akemi não ajudou a diminuir seu remorso."

"De volta ao Japão, Shiro escondeu-se de todos, por vergonha do que permitiu que sua esposa sofresse. Mesmo assim, ainda seguia os passos de Akemi à distância."

"O Doutor Estranho pegou o primeiro avião para Tóquio. Ainda sentia remorso pelo que fizera a Akemi no passado. Era uma maneira de ele se redimir pelo mal que havia causado à antiga namorada. Acompanhando o doutor, embarcou no avião seu ajudante, Wong."

"Akemi tentava seguir com sua vida. Durante o dia, ia trabalhar na gravadora, gravando músicas para um novo anime. Mas à noite não conseguia ir pra casa, acabava indo dormir em um hotel vagabundo qualquer. E chorava copiosamente."

"Ao chegar no Japão, Estranho foi recebido por Shiro. O americano vestia um belo terno Armani, de cor preta, mesma cor do terno de seu companheiro de viagem. No carro, a caminho do hotel, conversaram."

— Sabe, meu dever é entregá-lo a polícia. — "afirmou Estranho."

— Sim, eu mesmo pretendo me entregar quando tudo isso terminar.

— Bom. Isso me poupará trabalho. Tem visto sua esposa?

— Sim, embora ela não saiba disso. Venho a seguindo à distância.

— Entendo. O que você me contou pelo telefone foi algo muito grave. Precisarei fazer um exorcismo nela, para impedir que acabe parindo um filho demoníaco. E quanto antes melhor, antes que ela acabe se apegando à criança.

— Como no "Bebê de Rosemary"?

— Isto não é um filme, senhor Takahashi. Não vim aqui para fazer nenhuma brincadeira, mas sim para salvar sua esposa de que a monstruosidade cometida pelo senhor e por esse tal de Bishop a afetem para sempre. — "Estranho falou, extremamente irritado."

— Mas o mal já está feito. Ela foi contaminada pelo HIV.

— O quê? Por que não me contou antes? Não acredito que...

— Olha, chega, está bem? Já sei que fiz merda! Porra, não precisa jogar isso na minha cara!

— Como assim? Você não fez um simples...

Eu sei o que fiz! — "berrou Shiro" — Você diz que mudou, que é o "senhor bondade", "mestre das artes místicas" e o caralho a quatro... mas para mim você é o mesmo esnobe filho da puta de antes!

— Se eu fosse mesmo o que você diz, teria me dado o trabalho de vir até aqui por sua esposa? — "falou Estranho, tentando acalmar seu interlocutor."

— Desculpa... não quis ofender... não quis... — "como o fraco que era, Shiro começou a chorar no volante. Não agüentava mais o peso da culpa em sua consciência."

— Shiro, vamos combinar assim: eu faço o que tenho que fazer e você faz o mesmo.

— Claro, claro. — "disse Shiro, enxugando as lágrimas" — Mas quero fazer um pedido.

— Qual seria?

— Quero esquecer tudo. Não agüento mais a culpa do que fiz... faça um feitiço para que eu esqueça tudo!

— Não posso, Shiro. Você acha que não quis fazer isso comigo mesmo? Esquecer quem já fui um dia, alguém de que não me orgulho... infelizmente, temos que aprender a conviver com nossos erros.

— Certo... — "disse um desiludido Shiro, no momento em que chegavam ao hotel."

"Enquanto Wong pegava as malas, Estranho dirigiu-se a Shiro mais uma vez."

— Farei uma pesquisa visando o local mais apropriado para fazer o exorcismo. Amanhã à noite venha me buscar, e então iremos ao encontro de sua esposa.

— OK. Farei de tudo para não estragar as coisas desta vez.

— Assim espero, Shiro! Assim espero!

"O que eles não esperavam é que eu também estivesse seguindo Akemi e Shiro. Não eu propriamente, mas pessoas que eu havia contratado para tal. E assim que soube da chegada de Estranho, preparei-me para uma possível batalha. Por 24 horas, mantive-me em concentração e meditação. Esqueci do mundo ao meu redor, pensei apenas em minhas forças místicas e, quando senti que era a hora, parti para a batalha. Fui ao pulgueiro onde Akemi estava hospedada e esperei, escondido no carro. Duas horas depois, chegaram Estranho, Shiro e Wong. Akemi levou um susto quando entrou no saguão e deparou-se com o antigo namorado ao lado do marido."

— O que vocês querem? Será que não podem me deixar em paz? — "gritava ela."

— Calma, Akemi. Vim em paz! — "respondeu Estranho. Mas não adiantou, ela correu para o quarto. Foi segura na escada por Wong."

— Tenha calma, senhora Akemi. Estamos aqui para ajudar. — "disse o empregado de Estranho, pegando a mulher pelos pulsos."

"Akemi assustou-se ainda mais, livrou-se de Wong e fugiu em direção à saída do hotel. Estranho fez um gesto com as mãos, levantando-as, e súbito a mulher parecia ter se acalmado."

— Sinto uma presença estranha perto de nós. Talvez Bishop esteja nos observando. — "disse Estranho."

— O que sabe sobre Bishop, Stephen? — "perguntou Akemi."

— Que ele a engravidou! E estou aqui para tirar esse demônio de dentro de seu ventre.

— Demônio? Que demônio?

— Eu estraguei tudo, Akemi, mas estou aqui para consertar as coisas! — "disse Shiro."

— O que você me fez não tem perdão, desgraçado!

— Calma! — "Estranho falou num tom imponente. A seguir, explicou para a ex-namorada todo o caso, até convencê-la de que estava mesmo grávida de um demônio."

— Shiro, você é mesmo um monstro! — "gritou Akemi, aos prantos. Shiro daria tudo por uma garrafa de bebida naquele momento."

— Venha comigo. — "disse Estranho" — Irei com você para a igreja católica de Himonya, na periferia de Tóquio. Lá farei em você o exorcismo, e você se verá livre do mal que lhe fizeram.

— Nunca me livrarei, Stephen. O que Shiro e Bishop fizeram comigo deixou uma marca perpétua em minha alma.

"Eles se encaminharam então para a Himonya, uma igreja católica cujos padres celebram missas em inglês. É uma igreja simples, de cor branca, afastada do centro de Tóquio. Um lugar de reflexão e oração. O exorcismo é um ritual ligado ao catolicismo, daí a procura de Estranho por uma igreja católica para realizá-lo. O catolicismo é muito pouco difundido no Japão e fora de uma igreja o ritual não teria força necessária para expulsar o demônio desejado."

"Estranho deitou Akemi, que estava inconsciente, no altar. Ele vestia agora sua roupa de mago tradicional, inclusive com a capa vermelha. Shiro sentou no banco mais próximo do local e fez algo que nunca havia feito em sua vida: rezou. Já Wong ficou na entrada, para vigiar e alertar sobre a minha presença. Claro que não decepcionei o inimigo, aparecendo logo em seguida. "

"Enquanto caminhava em direção à entrada da igreja, Estranho fazia um encanto de proteção contra o demônio que iria exorcizar, convocando anjos:"

O Angeli! Supradicti estote adjutores mihi petitioni et in adjutorum mihi, in meis rebus et petitionibus.

"Entrei na igreja, e deparei-me com Wong. Antes que pudesse fazer algo, lancei nele um encanto que, ao mesmo tempo que o emudeceu, o fez sangrar por todos os poros do corpo. Logo caiu desmaiado. Os demais estavam concentrados demais para perceber a minha entrada, que foi silenciosa."

"Agora, Estranho evocava anjos das quatro partes do mundo que regiam aquele dia específico em que o ritual estava sendo feito:"

O vos omnes, adjutore atque contestor per sedem Adonai, per Hagios, Theos, Ischyros, Athanatos, Paracletos, Alpha et Omega, et per haec tria nomina secreta, Agla, On, Tetragrammaton, quod hodie debeatis adimplere quod cupio.

"Enquanto Estranho fazia seu ritual, sentei no banco posterior ao de Shiro e usei magia nele também:"

— Shiro, você sempre odiou Estranho. Aproveite este momento e faça o que você sempre quis: mate-o! — "falei, com a mão em sua cabeça. Quando o soltei, ele estava em transe."

"Shiro foi em direção a Estranho, e agarrou o pescoço do mago. Estranho virou-se assustado, e percebeu a minha presença. Eu sorria, e caminhava em direção ao altar. Estranho, evocando Hoggoth, desfez meu feitiço. Shiro caiu no chão, sem forças."

"Parti para a briga com Estranho, usando magia para jogá-lo contra a parede. Ele bateu a cabeça com força, ficando grogue por um segundo. Foi o necessário para que eu jogasse Akemi no chão e derrubasse todo o altar."

"Nesse instante, Shiro pegou uma das facas que seria usada no ritual e tentou cravá-la em mim. Segurei seu pulso e usei magia mais uma vez para que ele cravasse a faca em seus próprios olhos. Mas Estranho, já recuperado, fez com que a faca se tornasse um pássaro, que voou das mãos de Shiro. Este levou um susto, e aproveitei para golpeá-lo, o que o deixou caído no chão. Agora estávamos apenas eu e Estranho na batalha."

— Por que tanto ódio em seus olhos, Estranho? Você nunca me viu antes!

— Porque odeio o mal! Olhe a sua volta, você corrompeu tantas pessoas...

— Se corrompi alguém é porque este alguém desejava ser corrompido. Nunca obriguei ninguém a fazer nada, todos aceitaram minhas propostas por vontade própria.

— E a que isso te levou? Hoje você é um velho decrépito, às portas da morte!

— Você não viveu a vida que eu vivi. — "falei, com um grande sorriso" — As mulheres que comi, as fortunas que gastei, os poderosos que se arrastaram a mim como vermes...

— Já tive tudo isso! Já fui rico, tive belas mulheres, meus pacientes eram todos-poderosos, e isso nunca fez de mim um homem feliz.

— Você é um fraco, Estranho! Todos vocês são fracos e sempre serão, até perceberem que o sofrimento faz parte da vida... ninguém vive de verdade se não sofre. Por isso, sofra, Estranho!

"Serpentes surgiram ao redor de Estranho e começaram a se enrolar em seu corpo. Ele manteve a calma, e invocando desta vez Oshtur, fez as cobras desaparecerem. Neste momento, apareceram demônios na igreja. Risos ecoavam em todo o recinto, o sino tocava desordenadamente. Eu atrapalhei o ritual, e agora via diante de mim a conseqüência disto. Os demônios circulavam Akemi, mas não a tocavam. Estranho parecia estar fazendo uma prece, invocando algum tipo de proteção."

"Aproveitei a confusão e tomei Akemi em meus braços. Para que brigar, se o que eu queria mesmo era garantir a vida ao nosso filho? Mas os demônios não me entenderam. Pensaram que queria tirar a vida dela ou que queria separá-los da criança. Voaram todos em cima de mim, rasgaram minha carne, arrancaram meus olhos, minha língua, meu sangue. Caí no chão urrando de dor, mas ela não durou muito. Em poucos segundos, eu estava morto."

"Não posso dar muitos detalhes do que aconteceu depois. Estranho conseguiu expulsar os demônios da igreja e terminar o exorcismo — meu filho morreu na mesmo noite que eu. Depois disso, Estranho voltou para a América junto com Wong, que sobreviveu ao meu encanto. A partir do momento em que morri, minha magia passou a perder o efeito. Estranho logo conseguiu revertê-la e salvar o empregado, que ainda assim passou um bom tempo internado em um hospital japonês, onde inclusive fez uma transfusão de sangue. Shiro entregou-se para a polícia, e hoje está na cadeia. Akemi voltou a cantar jazz. Sabendo que a morte estava próxima, nada mais restou a ela do que ser feliz, fazendo o que gosta."

"Quanto a mim... acabei de chegar aqui, no Oitavo Círculo do Inferno, para onde vão os falsos alquimistas, os magos negros, os hipócritas fariseus, todos aqueles que se julgam santos e presumem-se virtuosos. Estou acorrentado em uma grande pedra de marfim. O governante deste lugar é Neron, que se delicia ouvindo a história da minha vida."

— Excelente, excelente! — "ele me diz, batendo palmas e se fartando de rir" — Sabe, sua história é muito divertida! E iguais a você, tenho muitos outros por aqui. Todos que se julgam acima de nós, governantes do Inferno. Acham que somos apenas brinquedinhos para vocês se divertirem. Pois a boa notícia é que a brincadeira não acabou! — "ele dá mais uma gargalhada, que arrepia todo o meu corpo" — Sabia que os demônios que lhe arrancaram a carne eram do meu Círculo? Pois agora você tem a eternidade para brincar com eles.

"Ele se retira, gargalhando. Depois, vejo apenas demônios horrendos, com línguas, dentes e garras enormes, babando e esfregando as mãos. Eles me atacam, arrancando toda a minha carne, deixando-me apenas ossos. Logo em seguida, estou curado e mais um bando de demônios arrancam minha carne mais uma vez. E assim, continuam por toda a eternidade. Estou como Prometeu, mas ele ainda tinha sorte de só perder o fígado. Já eu sou dilacerado por inteiro. Mesmo com o passar do tempo, não consigo me acostumar com a dor."

"E assim, minha história chega ao final. Abandonado por Crowley, abandonado por Baal, abandonado por todos. Apenas a dor e a solidão serão minhas companheiras por toda a eternidade. Ao pensar nisso, sorrio. Afinal, enquanto puder sentir algo, ainda poderei me sentir, de alguma forma, vivo."



 
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