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Batman / Demolidor - Do Coração das Trevas # 03

Por Conrad Pichler

Do Coração das Trevas
Parte III

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Prelúdio

— Não. A resposta é não.

— Como? — o advogado olha os olhos brilhantes de dor do velho.

— O senhor não pode me ajudar. Fiz a lei à minha maneira. Me tornei o Coringa... lembra o que lhe disse? "Se a lei não é a justiça, então eu teria que usar de sua ajuda". E você está certo, a lei é a justiça que você jurou defender, então, para mim, não há saída. Que se faça justiça, devo agüentar as conseqüências dos meus atos. — o velho levanta-se, pega o sobretudo, o chapéu e, lentamente apoiado na sua bengala, aproxima-se da porta.

— Sr. Wayne? — o advogado levanta-se, apóia as mãos na mesa — Foi há quarenta anos... — pondera Murdock.

— Eu o matei, sr. Murdock. Não suportei ser sua piada... eu o matei... e assim fui ele, e ele teve de parar de rir... eu era o Coringa, e ele não suportou ser Wayne, eu o matei.

— Mas, senhor... foi há quarenta anos. — mas o velho não ouve, saindo da sala para o corredor. Murdock titubeia, e quando sai à porta o velho cavaleiro já entregou-se às trevas do elevador, e se foi para seu coração.

Capítulo I: Na Caverna

No Brooklyn, um prédio de residência popular, Murdock, com o jornal na mão, olha as caixas de correio no hall. A luz do dia ilumina parcamente o corredor. Ele confere os nomes nas caixas com o que está grafado no cartão que recebeu na noite passada. O velho detetive ainda mora no mesmo apartamento de 40 anos atrás. Olha as escadas numa espiral de sombras, então pensa no elevador; está quebrado. Ele sobe pelas sombras das escadas. É o terceiro andar, para diante do número que corresponde com o da caixa de correio e o do cartão. Bate à porta. Um latido firme surge do interior e depois a voz ancestral de Wayne fala:

— Está aberta, entre.

Ele abre a porta e vê Wayne sentado em uma poltrona de pés de madeira. Um grande cão todo negro está deitado embaixo dela; o lugar está todo entulhado de papéis sobre os móveis. Devem ser da mesma idade do apartamento. Wayne está ao telefone, mas ele se despede agradecendo a quem está do outro lado da linha.

— Não se preocupe com Black, ele é meu companheiro há anos. — diz Wayne, passando a mão sobre a cabeça do cão.

— Você não é o Coringa.

Murdock entrega o jornal que havia lido pela manhã e que o tirou de sua casa. A manchete das páginas policiais é "Coringa: psicopata octogenário assassinado no Arkham", seguido pelo subtítulo: "Morto na noite passada assassino em série que espalhou o 'pânico hilariante' há 4 décadas".

— Quarenta anos? — pergunta-se Murdock.

Sim, quarenta anos. O cavaleiro das trevas estava segurando o Coringa pelo colarinho. Ele ria, ria, ria muito.

— Você não pode ser como eu! Hahahahah!!! Você não pode me matar! Não pode morrer de rir! Hahaha!!!

Imerso nas trevas, aquele que era como um homem-morcego começou a pressionar ainda mais o pescoço do Coringa. Ele começou a tossir intercalando aos seus risos, mas, subitamente, sirenes, muitas sirenes começaram a soar na estradinha iluminada por palhaços, na entrada do lago. Logo, policiais retiraram as "asas" negras de morcego de sobre o palhaço, que continuou a rir. O cavaleiro nas trevas pensava poder ouví-lo mesmo dentro da viatura, sob o som das sirenas altíssimas. Fogaça desamarrou as crianças e viu distante, quase à margem do lago, ladeando o carrinho de palhaço, aquele que parecia ser o detetive Wayne, mas era apenas uma sombra.

— Wayne? — disse Fogaça, aproximando-se, mas sem resposta — De-depois que vo-você... o senhor saiu co-correndo do de-departamento... encontramos uma carta... um, um curinga indicando este endereço... logo eu re-reconheci que era a casa do dono do circo... a cavalaria correu para cá...

Quando levantou, levantou diferente do Wayne que era, mas diferente do cavaleiro das trevas que havia tomado conta de sua essência nas últimas horas. Ele e Fogaça viram os peritos abrirem as portas da cabana e entrarem lá com máscaras especiais.

— Quando... quando reconheci a carta do Coringa... equipei os policiais com as máscaras. — o detetive continuou em silêncio.

Ele se aproximou das crianças e titubeou. A menina chorava, o rapazinho que já estava acordado consolava a pequenina. Wayne se deixou cair de joelhos e os abraçou, choraram juntos, por longos minutos, observados por Fogaça... e pelos corpos do comissário Gordon, Alfred e do dono do circo para quem, um dia, o Coringa trabalhou. A chuva voltou a cair e eles se foram dali...

Murdock começa a olhar os jornais espalhados. Algumas notícias estão marcadas, grifadas e outras tantas recortadas. Há jornais dispostos de três décadas, nenhuma foto na parede ou sobre os móveis. Wayne é um solitário, como um ermitão em sua caverna.

— O senhor não é o Coringa.

— Sr. Murdock, não há nada que possa fazer para mudar o fato, a lei tem de ser feita e o senhor não é do tipo de pessoa que vai impedí-la. Acredite, eu sei. — enquanto Wayne fala, Murdock pega um jornal, o mesmo que havia recortado e dependurado no hall de seu escritório de advocacia. Era sua resposta negativa ao "acordo" com o Rei do Crime.

— O senhor me fez de álibi, conferi a hora da morte provável e ela bate com a hora em que chegou ao meu escritório: 5:45 da tarde. — Murdock deixa o jornal por sobre as pilhas num canto, enquanto olha para Wayne no centro da sala, iluminado por filetes de luz que entram pela persiana — Por que me fez fazer parte disso? O que esperava...

— O que encontrei: certeza!

— Então, o senhor se entrega... devo chamar a polícia?

— Já chamaram, uma pessoa que sabe de tudo além de nós... — coloca a mão sobre o telefone, lembrando que ele falava pelo aparelho quando Murdock chegou.

— No mais, então, digo que me contou seu caso e desisti de aceitá-lo?

— Não diga que contei meu caso e mesmo o senhor aceitando, decidi me entregar a sorte da lei.

— Sr. Wayne, já que esteve em meu escritório me fez escutar seu caso e sem perceber fui feito de álibi, exijo que me deixe representá-lo. — o velho sentado nada diz, mas Murdock percebe uma resposta negativa, encaminhando-se.

— Devo mentir? Fingir-me de santo, sr. Murdock?

— Não. Diga: "sou culpado!" Não é essa sua certeza: que a lei o faz culpado do crime que cometeu e que mesmo com as mais nobres das razões para ter feito o que fez, deverá ser julgado e ser punido?

Nisso, o perdigueiro negro, Black, levanta-se e late, seguido por uma batida na madeira dura da porta.

— Sr. Wayne, é Grayson... eu e Magines precisamos conversar com o senhor. — diz alguém do lado de fora.

— Entre. — diz Wayne.

O cão, ao reconhecer o cheiro dos homens que entram, deita-se novamente. Um deles, o mais velho, tem um distintivo da polícia; o mais jovem está atônito. Ambos cumprimentam Wayne, apertando as mãos. O mais velho cumprimenta, também, o advogado.

— Ele sabe de tudo, ele é advogado. — diz Wayne. O mais jovem dos rapazes respira fundo e agacha-se a acarinhar o cão.

— Eu vou ter que levá-lo. Há uns dois minutos passaram o chamado pelo rádio, eu já estava a caminho com Terry. — Wayne levanta, apoia-se na bengala e nos braços de Grayson, o mais velho.

— Terry, fique com Black.

— Sr. Wayne... — o velho e o policial que o carrega param e olham para trás — Você não é o Coringa. — o jovem olha para Murdock e diz:

— Nunca seria.

Assim, eles deixam o apartamento.

Capítulo II: Paralelas Que Se Encontram...

— Como foi? — pergunta o delegado. Wayne como se não estivesse ali, não responde. — Como entrou no Arkham? — silêncio — Sei que isso é familiar para o senhor, então me diga os detalhes...

— Ele não precisa dizer nada para o senhor, delegado Castle. — diz o advogado, entrando na sala de interrogatório — Ele é meu cliente.

— Sr. Murdock, faz uns dez anos que não o vejo entrar aqui. — sorri o delegado.

— Sorte sua, ou minha? — ironiza Murdock.

— Do sr. Wayne é que não é. — retruca Castle.

— Sabe que posso conversar a sós com ele. — diz, e põe o delegado em xeque.

— À vontade. — diz o policial, saindo.

— "Meu cliente"?

— Você lembra do caso do Rei?

— Eu o acompanhei... digamos... de perto, bem perto. — Murdock, não entende, mas continua.

Um dia um advogado acordou, a campainha estava tocando. Lhe doía a cabeça, o corpo, dias difíceis. Ele caminhou até a porta e abriu, era um homem grande e muito bem vestido, careca, e fumando charuto.

— Posso entrar? — sem saber o que diria, deixou-o entrar — Não vou me sentar, pois vou ser breve. Tenho tudo que quero, o testemunho de Elektra, no último julgamento, metade dos jurados e nenhuma prova contra.

— E eu com isso?

— Três milhões de dólares, uma única chance. Gosto de você, sua ousadia, gosto de vê-lo brigar. Para que continue assim, quero que você se cale.

— Um dia, um homem como você fez uma proposta semelhante a um Murdock. Ele aceitou e viveu pouco. E mesmo se vivesse muito, teria sido a pessoa mais amarga do mundo e este já não seria meu pai. Não. — ao recusar a oferta de Wilson Fisk, o Rei, este pôs as mãos no bolso e saiu.

— A porta ficou aberta. Dez anos depois, um velho detetive entrou. Desta vez ele pediu ajuda, pediu para que o advogado se calasse: o mesmo pedido, motivos diferentes. A mesma resposta: não.

— Foi assim, então... — considera Wayne. — Não sabia por que você recusou. Imaginava que tinha sido por causa de Elektra ou Karen.

— Se tem uma coisa que acredito, sr. Wayne, é que omissão é tão grave quanto um ato criminoso. Sei o que se passou, sei o que o Coringa fez com o senhor... sei o que fez... mas você não é o Coringa. Não vou subir no muro... mesmo que isso signifique defender um criminoso.

Capítulo III: O Julgamento

O velho carro parou na esquina do Asilo Arkham. Olhou no relógio, eram quatro da tarde. Esperou por quinze minutos, estava tudo cronometrado, não queria atrasar-se, tampouco adiantar-se. Então, foi até o portão e passou pelo guarda, com o nome de "dr. Blake". Caminhou para o interior, mesclando-se com as pessoas numa inviabilidade sombria, fria. Na sala de segurança, instalou um vídeo que repetia uma mesma pacata cena do dia-a-dia da clinica, durante uma hora um velho e eficaz artifício. Quando acabasse a fita, ele teria reprogramado os circuitos para acusar uma hora a menos. O que lhe daria tempo.

Entrou no corredor que levava à ala do serviço judicial. Entrou e viu no fim do corredor imenso e branco, ladeado por celas de vidro, um homem sentado sobre a cama, cabelos verdes, pele tão alva quanto o ambiente. O velho caminhou, em sua negra figura, até aproximar-se da cela no extremo da sala. Ele parou lá e apenas observou a figura já idosa, a pele com cicatrizes, de cabeça baixa.

— Você... você aqui... pensei em você por esses anos todos... mas piada velha não faz a gente rir. — ele levantou a cabeça e olhou o velho Bruce nos olhos, o palhaço não tinha mais aquele sorriso nos lábios — Você veio fazer o que devia? Veio me assumir, como sua piada mais mortal. — Wayne retirou do sobretudo uma pistola colorida, a antiga arma cheia de gás hilariante do Coringa.

— Você quer rir? — perguntou a negra figura, enquanto os olhos arregalados do Coringa fitavam a arma — Não sei por que te mandaram para cá, mas me ajudou...

Ha! Você vai me dar o gás. — o Coringa forçou o riso, mas não riu — É de matar de rir. Quarenta anos e você continua querendo me fazer rir! Você é como eu... — nisso, Wayne apontou a arma para si — Ei! Espera! É meu! O gás é meu! Eu quero morrer de rir, não consigo rir nesta tristeza de lugar!

— Vou matar sua piada. Vou me matar, diante de você, enquanto pensa que viverá para sempre nesta cela. E quando eu cair no chão e der a última gargalhada, você verá que não pode rir e vai querer me matar... mas aí você verá que perdeu a graça! — Wayne colocou a arma na boca.

— Não, não pode ser assim... você contou toda a piada... não tem graça! — nisso o Coringa se ajoelhou, com uma lágrima nos olhos.

— Senhor... pare! — disse uma voz feminina, no início do corredor.

— Isso! Isso! — levantou-se o Coringa.

— Me dê isso. — a médica loura se aproximou e pegou a arma. Apontou para o Coringa e...

Diante de Murdock está todo o júri. É o segundo dia de julgamento. Ele agradece um guarda do asilo que prestou suas declarações e chama uma nova testemunha... dra. Harley Quinn. Ela senta-se em seu lugar, faz o juramento e olha Wayne no banco dos réus.

— Como foi seu relacionamento com o Coringa durante o tempo em que o tratou?

— Protesto, meritíssimo. — intervem o promotor.

— Negado. Prossiga, sr. Murdock.

— Meu relacionamento foi difícil, ele era... ele não tinha qualquer recuperação, ficou quarenta anos em tratamento pesado e nada. As novas drogas e as técnicas de terapia também não deram resultado. — ela olha o advogado nos olhos — E na terapia ele dizia tantas coisas ao mesmo tempo.

— Ele te assediou?

— Protesto!

— Negado. Sr. Murdock, chegue onde quer, logo!

— Sim, ele me assediou psicologicamente... me fez parecer um monstro. Agora percebo que ele usava uma psicologia reversa... ele era um profissional, e eu, muito jovem para o caso. — ela revira os olhos lacrimosos.

— Como foi o dia do assassinato?

O velho entrou na sala de pacientes judiciais. Ela observou, rezou para que fosse aquele que lhe aliviaria, aquele que o Coringa sempre falava com desdém, mas profundo medo... medo ou ironia, ela não saberia definir. Ela abriu uma fresta na porta e ouviu aquela sombra dizer:

— Você quer rir? Não sei por que te mandaram para cá, mas me ajudou...

Ela pôde ver o Coringa fazer de tudo para trespassar o vidro e pegar uma arma colorida.

— Vou matar sua piada. Vou me matar, diante de você e enquanto você pensa que viverá para sempre nesta cela.

Ela então percebeu tudo. O palhaço precisava da arma, precisava, não da forma que era... então a dra. Quinn percebeu que o detetive não deveria morrer. De alguma forma, sua mente tão atordoada pelas chantagens emocionais e choros do Coringa precisava de um alívio, precisava acreditar que havia uma mente saudável, que havia um porto seguro. Percebeu que tudo isso era Wayne.

— Então ele sempre lhe assediava, dizendo-lhe coisas falsas sobre seu passado. Forçou-lhe a dizer coisas de sua vida pessoal de forma que não podia recusar-se?

— Sim.

— Protesto!

— E, mesmo recomendando o tratamento do Coringa a outro especialista, seus superiores lhe mandaram ficar com ele?

— Sim.

— Protesto! Meritíssimo, isso não vem ao caso!

— Não proteste, já acabei... — diz Murdock, estendendo um lenço à dra. Quinn e depois afastando-se — Ela é sua.

— Você teve a arma em suas mãos?

— Sim.

— O que aconteceu depois?

O Coringa morreu.

— Você queria que isso acabasse assim? Você queria que o Coringa morresse?

— Sim.

— Você não fez nada para impedir o sr. Wayne.

— Eu não...

— Sem mais perguntas.

Capítulo IV: O Veredicto

— Se o sr. Wayne tivesse simplesmente atirado o gás, ele que odeia armas... pois viu seus pais morrerem baleados... se ele tivesse feito isso, ele teria feito o jogo, a piada do Coringa. — diz o policial Grayson, ex-tutelado de Wayne, para Murdock e o júri.

— Obrigado, sem mais. — diz o promotor, sentando-se. Grayson deixa o banco das testemunhas.

Murdock põe as mãos no queixo e olha para Wayne, que nos últimos dias anda pálido e suando, pois está muito doente, sente dores violentas.

— Precisa ser você, agora.

— Mais um pouco, Matt. Ela ainda não chegou.

— Quem? — antes da resposta, uma mão suave toca o ombro de Wayne. Uma ruiva, em seus quarenta e tantos anos.

— Bárbara. — diz o homem, beijando o rosto dela.

— Não diga nada. Você é meu pai. E sabe que nunca seria um assassino, não seria como ele. Você é meu pai. — ela, com lágrimas nos olhos, beija a fronte dele. Ele fecha os olhos e quando abre, fita Matt direto nos olhos.

— Vamos acabar com isso.

— Senhor juiz. — diz Matt, levantando-se — Quero chamar o sr. Wayne.

O velho levanta-se, apoia-se na bengala e em Murdock, vai para o banco e faz o juramento solene de não mentir, sob a pena da lei e de Deus.

— Sr. Wayne, o senhor matou o Coringa?

Não. — toda a platéia respira fundo e começa um burburinho. Até Murdock fica surpreso.

— Repito a pergunta, sr. Wayne: o senhor matou o Coringa?

— Não.

— Mas ouvimos o depoimento da dra. Quinn.

Ela disse que ele morreu. Não que eu o matei.

Ela chorava muito enquanto lembrava das coisas que ouviu do Coringa. Wayne em nenhum momento olhou para o criminoso. Ele pegou a arma e estava disposto a não dar nada do que o Coringa quisesse; nem matá-lo, nem a ele mesmo, Wayne, a "piada" do Coringa.

— Doutora, quero que não diga nada do que ocorreu aqui esta tarde e nem nada do que irá acontecer, concorda?

— Sim. — disse ela, encostando a cabeça no ombro do velho detetive.

— Mas se amanhã eu ligar, nesta hora, você chamará para a polícia e falará com o detetive Grayson. Grayson, ouviu? — ela balançou a cabeça afirmativamente — Contará tudo.

O Coringa caminhou então para a parede de sua cela, sem saber o que fazer. Ele não conseguia rir, não podia... Wayne abriu a gaveta da cela, colocou a pistola dentro e a fechou, para que o palhaço pudesse pegá-la. Já esboçando um sorriso, ele pegou a pistola, ajoelhou-se no chão e disparou a carga toda no seu rosto.

— Você, como? — titubeou a doutora, em choque.

Não se ouviu uma gargalhada, um riso. O gás era venenoso e não hilariante. O detetive conduziu a doutora para fora da sala. O corpo do palhaço caiu morto.

— Deixe o gás perder o efeito. Não entre antes de duas horas.

— Eu não poderia matar o pai de meus filhos pela segunda vez, pois eu mesmo morreria ao matar o Coringa. Não faria isso só para me vingar. Eu não poderia matar o Coringa e ser como ele! Então deixei a cargo da sede dele pelo riso o fazer morrer. — diz Wayne para o júri.

— Sem mais, meritíssimo.

O promotor faz um gesto de quem abandona a luta. Wayne olha para Grayson e Bárbara, eles choram e riem, num misto nervoso de emoções. O velho levanta-se e volta para o banco dos réus. Abraça seus "filhos" e a Murdock também. É estipulado um recesso.

Murdock e Grayson vão até o Asilo Arkham. Entram com um mandado, dirigem-se à sala de segurança e, atrás de uma mesa, encontram uma câmara de vídeo que estava, ao contrário das demais, programada para gravar o que realmente acontecera na cela do Coringa e que confirma a versão de Wayne. Eles saem do asilo e entraram no carro.

— Ele não queria me fazer de álibi, mas sim ter certeza de que a lei seria feita, mas não em detrimento da justiça... — articula Murdock.

— É por isso que ele precisava do senhor, de sua ousadia, seu discernimento e força de vontade... ele não diria isso ao senhor, mas ele constantemente o chama de "homem sem medo", o "homem sem medo dos tribunais". — diz Grayson, sorrindo para si.

— Eu acredito que a lei seja interpretativa, desde que em sua interpretação o equilíbrio seja preservado. O equilíbrio, ao meu ver, é o princípio da justiça... acho que para Wayne também.

— Desde que perdeu os pais e nós os nossos, acho que é só nisso que ele pensa... justiça!

— Você sabe: ele será condenado. — indaga o advogado, olhando nos olhos de Grayson, que Murdock nunca deixará de ver como criança, devido à história contada por Wayne.

— Sei, mas tenho certeza que não será por assassinato, e que ele aceitará o julgamento... ele aprendeu isso durante sua vida... aprendeu a aceitar.

Depois, na hora do veredicto. Todos de pé no tribunal. Diante do juiz e do júri, Bruce Wayne.

— O estado de Nova York sentencia o sr. Bruce Wayne à pena perpétua, por tentativa de homicídio. Porém, considerando sua idade avançada e seus serviços prestados à comunidade, o réu gozará da pena em uma clínica de repouso, tendo direito a acompanhamento médico e psicológico.

— Caso encerrado! — sentencia o juiz.

Todos saem da sala. Wayne levanta-se abraça mais uma vez seus "filhos". Recebe votos de força e coragem, como se precisasse, pois já a tinha toda. Então, Murdock, o abraça.

— Quando sair daqui, eu vou para o asilo, você de volta para seu lugar. — diz Bruce — Se perdi um dia, recuperei tudo quando abracei Grayson e Bárbara na beira daquele lago, e mais ainda quando poupei a vida de meu maior inimigo. Hoje, tive a certeza de que justiça não falha e que quando bem aplicada a lei é seu maior instrumento. Mas estou mais feliz por ter mais um amigo.

— Como disse, prefiro os poucos amigos do que não tê-los. — diz Murdock, sorrindo.

— Obrigado por esse presente. Minha retribuição está lá fora.

Murdock fica sentado olhando o velho ser conduzido pelos meirinhos. Logo, os "filhos" de Wayne acompanham Murdock pelos corredores até a porta da frente do tribunal. Lá, uma multidão espera para falar com o demolidor dos tribunais, que voltou em grande estilo, absolvendo um velho detetive de um crime que não cometeu, mas sem deixar que a justiça fosse obstruída. Ele fez justiça. Sem medo.

Pela TV, Karen vê, chorando, seu marido dando entrevistas, animado como antigamente. E é nesta mesma tela que ela vê seu marido resolvendo muitos outros grandes casos que se seguem, todos demolidos pelo homem sem medo.

No primeiro dia de verão daquele ano, Bruce Wayne, o Batman, morre dormindo. O cavaleiro das trevas, enfim, rende-se à luz.

"A aquele que é a luz"




 
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