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Aranha # 01

Por Conrad Pichler

Mais Braços do Que Eu Gostaria/Poderia Abraçar: Doctopus

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Hoje é sexta-feira, fim de tarde. Iris vai ao bar Naked Feeling, que está aberto.

"'Naked Feeling: onde meus sentimentos são desnudos', diz Annie, minha amiga, diz o barman, diz o cantor, diz o cartaz de 'não vendemos fiado... nem se você tirar a roupa'."

"No bar, vejo um homem bem vestido, de negro, com um olhar tão milimétrico quanto o meu. Assim que ele olha para mim, eu desvio meus olhos. Talvez esteja fantasiando, mas lembro do que 'ele' disse: 'Mesmo desnuda, ainda há onde se esconder; e mesmo escondendo, fica evidente. É evidente: não é em todos os bailes que se usam máscaras e nem todas as máscaras são de baile'."

"O olhar daquele homem de negro, no bar, esconde algo e isso é evidente."

"Ondas no ar, de música e de vozes e até da sineta, que soa na porta — alguém entra, um a mais no pub — instrumentos, vozes: música no ar. O rapaz, aquele que acaba de entrar, é conhecido, não só a mim, mas ao homem de negro no balcão, que fica fitando-o. UnT é como o conhecemos, posso sentir a tensão no ar denso, como se houvesse uma linha entre o homem de negro e UnT."

"Eu me levanto e sinto o peso caindo sobre os ombros, puxo o rapaz para minha mesa e o homem de negro sai do bar. Sobre o nosso silêncio, ele nos olha, milimetricamente, deixando claro: ele não desistirá. Do quê?"

"A mesa continua silenciosa, apenas o som da música e das vozes retornam, agora que o ar parece mais leve, o rapaz, no entanto, está nervoso com movimentos descontrolados — ele mexe e remexe a mochila que carrega. Por quê?"

"Uma vibração insistente toma conta do ambiente e o vidro estilhaça: solto, soprando no ar. Vejo a vitrine do pub: e um milhão de braços, mais do que qualquer pessoa poderia/gostaria de abraçar. Salto para trás, num instinto. Os braços espalham-se, em inverossímeis correntezas, verdadeiras correntes. Correndo, as pessoas saem, passando uns por cima dos outros. 'Há um a mais no pub', dizem."

"UnT passa por mim se escondendo no bar; os braços, a correnteza o acompanha. Seu dono, uma figura estranha, também. Ele é um baixinho de mil braços: 'Doctopus', ele diz — ou entendi desta forma."

— A mochila... o menino... são meus, eu os quero!

"Os braços me envolvem, em busca do rapaz escondido no balcão.

Eu salto e me desdobro como um origami japonês. Seus braços giram e oscilam, Doctopus fere a tudo indiferentemente, com a dureza do metal e a solidez da rocha."

"Salto... salto, esquivo... agacho. Para frente, para cima, para os cantos e bandas. O rosto da fera — olhar de metal — tão distantes, de meus braços. Seus mil braços, num movimento, um abraço de polvo com força de urso (uns mil!), me sufoco sem ar, com seus braços e abraços. Ele me olha com a ironia metálica nos olhos:"

— Quando entrei e te vi sentada, tinha duas coisas para dizer: uma esqueci, quando você pulou na minha frente; a outra, quando esquivou-se do meu abraço. Agora, com você onde quero, já não digo nada.

"Ele se enrosca no meu cabelo e corpo, os outros quinhentos braços destroçam, evaporam o balcão."

"Eu grito:"

— UnT!

"Escorrego. Livre, um braço esticado toca a fronte, entre olhos, do que me fere. Ele sorri com o canto da boca e me arremessa contra a parede. Um choque, um acidente, perco o rumo o sentido e volto no tempo..."

"No passado... na memória..."

"Ao som das sirenes, sobre ferragens e vidro moído, sangue e vozes, mas um silêncio me incomodava, mais: me destruía por dentro, era o silêncio 'dele', quem amei estava ali do meu lado, em silêncio; só havia eu e os paramédicos:"

— Não...

— Você?

— Eu não sei...

— Nome?

— Eu nem sei... nome...

— Qual o seu nome?

— Eu não sei o meu...

— Onde você mora?

— Nem sei...

— A gente vai levar você para o médico, fica calma... calma... moça...

...

— Moça?!

— Quem estava com você?

— Eu... não sei...

— O outro?

— Outro...

— Fecha a porta!

...

— Fecha! Eles estavam no carro...

...

— Ela não viu?

— Não. O carro ficou destruído.

— Graças.

— Quem é... o outro... que aconteceu?

— Esqueça. A gente vai levar a senhora pro médico!

— Falta... alguém... ele...

— Ele vai ficar bem, dona...

— Ele... não...

"Os paramédicos tentaram esconder, mas sabia... estava morto... não eu, mas meu coração."

"As lembranças se dissolvem na luz do dia..."

"Com o último raio de luz da tarde, vejo UnT correr do pub..."

"Minha cabeça fica clara e a claridade que entra pela vitrine, inundando o bar destruído, o som da rua, das pessoas e da sirene, muito longe... me lembro de UnT, que levou Doctopus embora... zunido... foi para casa, o levou para minha casa, o prédio em que moramos... minha cabeça zune... não vou perder para esses ladrões... sombras..."


Na próxima edição: As sombras de UnT vem resgatar o que lhes pertence, hoje Octopus, amanhã o homem vestido de negro: Gato Negro. UnT tem um segredo, qual será?



 
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