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Super-Homem Especial

Por Luiz Felipe Vasques

As Letais Lágrimas de Lois

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À sombra do laboratório da montanha, o Cientista Louco lançou um olhar malévolo e um sorriso de dúbia intenção para a indefesa mulher amarrada e amordaçada na poltrona que olhava, vidrada, para a coleção de lâmpadas e mostradores que caoticamente acendiam e apagavam pelo ambiente coroado com um grande arco voltaico acima de tudo e de todos; indicando que o canhão de raios electrotanáticos estava pronto para funcionar, pronto para destruir!

A grande metrópole abaixo da cordilheira seria vítima da recusa de seus governantes em pagar-lhe a quantia exigida! E, naquela manhã de sol, as crianças, seus pais e amigos que passeavam na grande praça central haviam sido vaporizadas ou derretidas, sem qualquer aviso prévio, com cada joule que a máquina poderia dar. Um momento para o ajuste de mira, e no painel central, a grande prefeitura da metrópole agora era presa fácil. O mero clicar de um botão, e o prédio centenário explodia em destroços, gerando um grande incêndio. O Cientista Louco gargalhava ensandecidamente — tudo conforme o figurino.

Preparava-se agora para atirar no mar próximo ao cais, para que todos os barcos e navios fossem atingidos com a descarga que seria conduzida pela água salgada, quando um alarme soou, e o painel de mira automaticamente corrigiu o alvo: o que surgia agora não era um exército para detê-lo, nem a polícia para prendê-lo.

Era apenas um homem, pelos céus voando mais rápido do que uma bala.

O Cientista Louco salivou, recalibrando o alcance. Olhou para a mulher novamente em vibrante expectativa, e disparou! Seria o tal homem de aço resistente o suficiente para evitar a força dos raios do próprio Zeus? A frenética descarga dourada pegou o estranho em cheio, em um clarão que rivalizou com o sol por um instante — e, no outro, não havia nem sinal dele.

Às gargalhadas, ele se permitiu saborear sua maior vitória — se nem o tão afamado homem do amanhã resistira ao seu canhão de raios electrotanáticos, nenhuma força no mundo poderia se opor aos seus planos de dominação mundial: a devastação da metrópole seria apenas um começo!

Sua alegria foi interrompida por um barulho ensurdecedor, como se algo tivesse explodido — e não menos que a rocha do teto descera em parte, revelando um homem alto, adornado pelos raios dourados do sol e uma capa vermelha, com uma letra "S" dentro de um triângulo no peito, flutuando no ar amparado apenas por sua força de vontade. Percebeu a mulher amordaçada, e seu olhar determinado tornou-se mais severo. Lançou-se contra o cientista, que puxara de perto um rifle de estranho aspecto — uma versão reduzida do canhão — e disparou dois relâmpagos, que resvalaram no peito do oponente, atingindo o delicado e explosivo maquinário. O último filho, com um simples golpe, desacordou o Cientista. Em seguida, libertou a mulher das tiras de metal que a prendiam como se fosse papel e, com ambos sob os braços, decolou daquele maligno refúgio longínquo nas montanhas, que se acabava entre consecutivas explosões e desabamentos.

— Está tudo bem, senhorita. — tranquilizou o homem de aço, ao ver o estado de choque da moça que tentava parecer valente — Você está a salvo, agora.

Lois nada respondeu, além de um olhar embevecido e apaixonado.

O bólido arremetia contra a chefatura de polícia, causando um grande desastre! Era o terceiro ataque que o grupo que se identificara apenas como a Gangue Balística fazia na metrópole apenas aquele mês, fosse para roubar bancos, fosse para espalhar o terror naquela ordeira grande cidade. Dotados de um poderoso carro-foguete, nada parecia ser capaz de detê-los.

De volta ao seu esconderijo, repletos de júbilo e auto-congratulações, ligaram a luz em seu hangar secreto, em um ferro-velho nas cercanias da metrópole, e se depararam com uma única e bela mulher. A Gangue Balística sorriu, sabendo que agora seriam invencíveis.

Explodir a locomotiva havia sido fácil, bastando um mero impacto a toda velocidade, assim como roubar o ouro do carregamento da composição que descarrilara. Mas agora o carro estava pesado, não voava tão rapidamente quanto o necessário — e ele aparecera nos céus noturnos, como uma águia sobre sua presa. O veículo tinha asas para velocidade de cruzeiro, e delas metralhadoras se revelaram para disparar contra o homem, que se protegeu das balas apenas com um cruzar de seus braços. O carro-foguete passou a toda por ele, e ambos manobraram nos céus para um novo confronto. O piloto recolheu as asas e ligou o afterburner, o bico de titânio certamente despedaçaria um homem de aço. Ascendeu ainda mais e manobrou para baixo, de onde vinha seu perseguidor também a grande velocidade. Se conseguissem, haveriam depois de se preocupar com o combustível para chegar em casa, mas ninguém iria pensar neste tipo de detalhe naquele momento. A colisão era iminente, e dentro do carro todos se perguntaram por breves dois segundos tardios por que agora não viam uma mancha de sangue se espalhando pelos reduzidos pára-brisas do carro — quando o teto se abriu como se fosse uma lata de sardinha, puxado como um lençol por apenas uma mão do oponente. No banco de trás, um dos tipos mascarados da Gangue Balística — eles todos se vestiam com máscaras negras que cobriam toda a cabeça — abraçou a mulher amarrada e amordaçada ao seu lado e apontou-lhe uma 9 mm. Mais rápido do que uma bala, o homem agarrou a arma, amarrotando-a como um lenço, retirando com facilidade a mulher de seu lado. O piloto, que segundos antes lutava para vencer a gravidade, agora tinha sérios problemas de aerodinâmica, e não conseguiu evitar o chão. Foi o estrondoso fim da Gangue Balística, em uma bola de fogo se elevando por onde o homem que resgatara a donzela havia acabado de passar, desprezando as leis da física.

Lois se encolhia encostada em seu peito, respirando fundo o ar da noite, trêmula. Ele notou seu estado, e a tranquilizou com palavras gentis.

— Está tudo bem, senhorita. Eles não irão machucá-la. Não irão machucar ninguém, nunca mais.

A dupla de repórteres havia aparecido para testemunhar, no porto da grande metrópole, o desembarque de um grande bloco de gelo trazido da Antártida, em uma custosa e problemática expedição. Quais os motivos que haviam levado exatamente ao grande bloco de gelo derreter, liberando sua carga ancestral, um gigantesco tiranossauro, ninguém nunca realmente soube. Mas o fato é que os dois repórteres haviam sumido no meio da multidão, quando o caos se instaurou.

Um dos repórteres, afeito a cachorros-quentes de vendedores de rua, olhou assustado quando percebeu que sua parceira não estava ao redor, e o monstro fazia das ruas seu novo território de caça. Murmurou algo de mau agouro, como se no fundo já esperasse, ao reparar que em uma de suas garras, o monstro a carregava. Largou os dois cachorros-quentes, em um ato de desperdício que pessoalmente abominava, e correu para uma cabine de telefone, fechando sua portinhola.

A criatura abocanhava quem via dentro dos prédios que abria com uma passada de garra ou da grande cauda, presas mais disponíveis do que as que corriam aos seus pés. Às vezes, parecia lembrar que havia uma mulher em sua garra esquerda, fitava-a com suas bestiais órbitas para, em seguida, ter sua atenção chamada por novas vítimas. Seus urros eram ouvidos pelos cânions de prédios que dominavam boa parte da cidade. De repente, notou como se várias pulgas pinicassem sua couraça de escamas às costas. Virou-se para uma aterrorizada força policial que subitamente via-se impedida de continuar o ataque: a fera tinha uma vítima, afinal de contas. Sua indecisão no comando deu tempo para que todos morressem, quando o tiranossauro abriu a boca e, típico de sua espécie, cuspiu fogo em uma onda que lavou a rua, explodindo carros, derretendo o asfalto, partindo vidraças e janelas, colhendo inúmeras outras vítimas colaterais. O tiranossauro abriu caminho então pelas ruas e prédios, até que um edifício em especial lhe chamou a atenção, com um grande globo girando ao topo. Alcançou o prédio e começou a escalar, esmigalhando concreto e pessoas no processo — sempre há pessoas nesses processos.

Com um fantástico senso de equilíbrio sobre o globo que parara de girar sob o seu peso, o tiranossauro urrava superioridade a plenos pulmões, derrubando aqueles aviões que mais lhe eram mosquitos que pinicavam à curta distância, fosse com garra, cauda ou labaredas que os seguiam, não raro atingindo os quarteirões vizinhos.

Antes que algumas pessoas que repararam no vulto azul que acabara de riscar os céus decidissem se aquilo era um pássaro ou um avião, o tiranossauro sentiu um golpe forte em suas costelas, quase o derrubando de cima do globo já semidestruído. Procurou entre os vários aviões que haviam aprendido a manter a distância segura o causador daquilo, e não entendeu quando uma força maior do que a sua dobrou sua garra esquerda em um movimento completamente contra sua vontade, afrouxando seu aperto e liberando a moça que agora caía para a morte certa. Olhou para a garra dolorida e viu um homem que antes não estava lá, e com uma mordida feroz, prendeu-lhe entre as presas do tamanho de dois homens adultos. Foi como se mordesse uma pedra, mas não desistiu — tampouco o homem, que se via impossibilitado de salvar a mulher. Concentrando toda a sua força, estendeu um braço para cima e outro para baixo e, trêmulo pelo esforço, contrariou a mandíbula que o prendia. Lançou-se para baixo enquanto o tiranossauro cravava os dentes no ar, e, pouco antes do segundo andar, resgatou a mulher, pousando-a delicadamente no chão. Olhou para ela com ternura, afastou algumas lágrimas de seu rosto, em uma promessa de que voltaria. Ternura substituída pela resolução, em seguida partiu para o alto e avante, ambos os punhos em riste, produzindo um golpe tão forte que fez o tiranossauro erguer-se do prédio, em uma hipérbole até o mar, onde não traria mais problemas.

Lois olhou para o caos ao redor, fungando um pouco. Entrou no prédio de onde fora resgatada, local onde também — em segredo! — o homem trabalhava.

A esquadra marciana pairava sobre os céus da metrópole com seus discos voadores. Suas intenções ficaram claras quando seus canhões de raios incendiários passaram a devastar as grandes cidades do mundo.

A nave-mãe, uma versão em tamanho-pesadelo dos discos menores, recebia uma visita intrusa, que se recusava a desistir ou morrer. Os marcianos atiravam o que podiam contra ele: raios incendiários, a força hidráulica dos tentáculos em seus trípodes, rajadas psíquicas combinadas — apenas isto fora capaz de lhe tirar um pouco de sangue pelo nariz, mas fora o único sangue que ele havia derramado. Os ocupantes da câmara central da nave-mãe, que incluíam as duas últimas guarnições entrincheiradas atrás da espessa comporta de contenção, observavam apreensivos esta produzir mossas a cada golpe que, do outro lado, um outro ser alienígena desferia implacavelmente. O alto-rei marciano piscou suas enormes órbitas felinóides e guinchou algo em uma voz inumana, apontando para algo similar a uma mesa de operações, onde atada a ela estava uma mulher terráquea, aparentemente em transe, com um elmo piscante ligado a uma aparelhagem alienígena.

Em um som de naufrágio, a porta de contenção se rasgou, e um homem surgiu. Nervosos, os marcianos com seus tentáculos disparavam seus rifles laser em potência máxima, totalmente em vão. O invasor agarrava os flácidos marcianos e os arremessava uns contra os outros. A ordem foi quebrada, e logo os marcianos, que eram no fundo tipos covardes, jogavam as armas ao chão e aos pés do oponente, rogando por clemência e por suas vidas, naquele idioma tão estranho. Passando direto por eles, o invasor foi até o alto-rei, erguendo-o pela gola de seu manto escarlate, e cerrando o outro punho. Certas coisas não precisavam de tradução. Aflito, o alto-rei logo ordenou que a mulher fosse solta e devolvida. Sem a coordenação central, não muito depois as forças marcianas recuavam para as profundezas do espaço sideral, de onde nunca deveriam ter saído.

De volta ao solo, o homem deixou Lois sobre o terraço — tantas vezes reconstruído — do prédio de onde trabalhavam.

— Nós precisamos — tomou coragem em dizer — parar de nos encontrar desta forma.

Com uma carinha compungida e um sorriso tímido, ela aceitou, em um balançar nervoso da cabeça.

O Primeiro Teutônico, a bordo de seu Messersmitch V, fazia sua tentativa desesperada de vingança, cruzando o Atlântico quase sem combustível e carregando a única bomba atômica do Reich. Era uma última cruzada em nome do ódio, a artilharia americana não fora capaz de abatê-lo, mas era o seu último vôo, e o destino era a grande metrópole americana. Somente algo poderia detê-lo. E para esta eventualidade, estava preparado.

E ele veio.

Com trovão e fúria no semblante de aço, ele atravessou o Messersmitch V, único de seu tipo, capaz de cruzar o Atlântico, danificando irremediavelmente o avião. Na carlinga, ambos os ícones ambulantes de seus estilos de vida se enfrentavam, em uma batalha mais do que simbólica. A versão dos planos do inimigo para o homem de aço também possuía uma força e uma resistência ditas insuperáveis. A luta de ambos começou a destruir o que restava do avião. O Primeiro Teutônico percebeu que não poderia ter sua vingança, contra o que haviam feito à sua amada pátria e os grandiosos planos. Ao führer, que tanto confiara em si.

Era seu último confronto com seu inimigo, bem o sabia. Enfrentaram-se tantas vezes durante a II Grande Guerra, sempre com resultados inconclusivos — e insatisfatórios. A troca de golpes prosseguia, enquanto a cabine de pilotagem era reduzida a ferro-velho. Golpes incansáveis, cada vez mais vigorosos, jamais haveria rendição. Mas o avião caía, e ele percebia que a única vingança que lhe seria permitida tinha um gosto pessoal. Teve tempo para puxar uma alavanca, e o dia iluminou a baia das bombas. Uma mulher berrou, ao perceber o que estava lhe acontecendo. O homem de aço ouviu alto e claro, e para ela correu, seguido pelo Primeiro Teutônico — que o agarrou e o impediu de resgatar a moça firmemente amarrada à bomba atômica que agora caía.

Momentos preciosos foram gastos em pontapés em seu adversário. Quando finalmente conseguiu se desvencilhar do Teutônico, este incapaz de voar, mergulhou atrás da bomba. Voava contra o relógio, a qualquer momento aquele aparelho infernal atingiria sua altitude-limite, e aí...

Notou seu olhar apavorado. Lágrimas que subiam ao vento, assim como seus longos cabelos negros que agora se desprendiam de sua cabeça, revelando uma massa ruiva que não deveria estar lá, mas sim em uma doce memória do Kansas — um segundo antes que a estrela nascesse à sua frente.

O último pensamento do Primeiro Teutônico foi a breve satisfação de que o engodo tinha dado resultado.

E demorara até chegar àquele resultado. Conquistar o mundo leva anos. Anos planejando o timing perfeito. Anos coordenando toda a sorte de malucos, criminosos e gente da pior espécie. Lutando para ganhar seu respeito, em um mundo chauvinista como aquele. Coordenando todos e ensinando a se coordenarem. A agirem profissionalmente, em mútua cooperação, ou em segredo uns dos outros — especialmente uns dos outros. E tinha que ficar em cima, como babá. E havia alguém para reconhecer isto, sequer? Nunca. E aí, quando os planos começavam a dar frutos, ele aparecia. Ele sempre aparecia. Com seus punhos, seu vôo e sua capa. Todo um magistral plano desmantelado em questão de segundos. Mas sempre dera um jeito de escapar. Sempre tinha seu plano de fuga. E era tão simples, que repetia e repetia ad nauseum. Sequer tinha graça. Mas ele nunca tivera chance alguma. O que os homens não fazem por algumas lágrimas?


:: Notas do Autor

Este conto foi inspirado em "Superman", produção dos desenhos animados de curta-metragem da Fleischer Studios, nos anos 40.

Os Fleischer Studios produziram oito curtas animados (outros nove foram produzidos por um estúdio que os sucedeu, o Famous Studios) do homem de aço entre 1941 e 1942, utilizando sua técnica da rotoscopia, com movimentos animados baseando-se em uma filmagem prévia de atores encenando. Os oito primeiros desenhos têm características de aventura e ficção científica, enquanto que os nove feitos pela Famous (1942-1943) eram mais dirigidos à propaganda de guerra. Não há mais direitos autorais sobre eles, podendo os episódios ser baixados livremente em sites da internet como o Internet Archive.

Estes curtas estão entre as mais belas obras de animação feitas até hoje.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Superman_%281940s_cartoons%29



 
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