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Hellboy Especial

Por Cesar Rocha Leal

Herdeiros

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Fevereiro de 1996
Ouro Preto — Minas Gerais — Brasil
14h45

Em frente ao antigo casarão de uma tradicional família de descendência portuguesa, uma pequena multidão se aglomera. Afinal, nem sempre surge a oportunidade de se ver o famoso investigador do sobrenatural conhecido como Hellboy, que está no Brasil atendendo ao pedido de um amigo, que intercedeu em nome da dona do casarão, a Sra. Graça Maria Constância.

— Estás a entender? Este casarão é assombrado! Um demônio — não tão distinto quanto você, devo dizer — me atormenta todas as noites. Nem mesmo meu filho acredita em mim. Acham que estou louca.

— Talvez não usasse esta palavra, mamãe, mas a senhora está deixando a imaginação tomar conta de sua mente. E está falando com um trapaceiro que sequer entende nossa língua.

Ao falar estas palavras, o filho de Dona Graça deixa evidente que é alguém regido pelas aparências. Suas roupas — exageradas e finas, mas demonstrando claramente os sinais do tempo — denotam que ele vive em um mundo que não existe mais. Um mundo onde a família Constância era influente e muito rica. Em meio às roupas ligeiramente desbotadas e puídas, porém, há uma exceção: o lenço de seda que ele leva ao rosto, bordado com suas iniciais (RC) — Rodrigo Constância.

— Estamos às vésperas do novo milênio e é impossível que queira que eu acredite em demônios mamãe. Até esse suposto "Hellboy" que você trouxe dos EUA para investigar nossa casa nada mais deve ser do que mais um desses malditos mutantes. Ademais, a polícia já revistou toda a casa e não encontrou nada de anormal.

Ao continuar com seu falatório, o janota leva, com gestos exagerados e efeminados, um cigarro à boca, tirado de uma cigarreira com suas iniciais gravadas, e o acende com um isqueiro Zippo, igualmente personalizado.

— O que a Natânia dirá quando souber desse carnaval que a senhora preparou? Apesar de atender por aquele horrível apelido, ela tem classe...

— Eu não sei o que a sua noiva diria... E nem quero saber. Você acha que devo ir para um asilo, mas eu acredito que temos um demônio em casa.

— Dona Graça, não importa o que seu filho ache ou diga, mas ele pode ter razão.

Com essas palavras, ditas em um português desajeitado, Hellboy pede licença aos soldados que formam sua escolta de visitante de honra. Ou de vigilância, dependendo do ponto de vista. As autoridades brasileiras parecem não ficar muito à vontade com um demônio de mais de dois metros e uma mão de pedra. Afinal, a presença da demoníaca figura poderia acarretar manifestos indesejáveis, principalmente em um país tão fervorosamente católico.

— É por isso que, antes de vir para cá, passei na casa de alguns conhecidos e pedi emprestada a eles nossa pequena amiga aqui.

Hellboy tira do casaco o que estava carregando protegido pela roupa. Uma pequena cachorrinha descabelada, com pêlos brancos e marrons disputando cada espaço possível de seu corpo. Ela tentava roer um dos dedos da petrificada mão direita do ocultista.

— Uma cachorra?

— Conheço bem esta Cocker Spaniel. Ela tem duas qualidades de que preciso. Um bocado de curiosidade e um alto sentimento de medo.

Ao ser colocada no chão, a pequena cadela sente-se meio deslocada no meio de tantas pessoas desconhecidas. Hellboy faz um carinho na cabeça do animal e joga um pequeno osso dentro do casarão.

— Vamos lá, magrela! Vá pegar!

A cadela faz menção de pegar seu brinquedo, mas pára na entrada da casa e começa a girar e agir estranhamente, até que volta para onde está Hellboy, desistindo do osso.

— Os animais são diferentes, Dona Graça. Eles sentem coisas que não sentimos. Alguns não ligam, outros desafiam, mas eu sabia que essa pequena teria medo de qualquer coisa estranha que sentisse em sua casa. Se ela não entrou é porque sabe que há algo lá. Por favor, cuide dela. Prometi devolvê-la sem nenhum arranhão. Eu vou investigar sua casa.

— Há... Era só o que faltava. O embusteiro vai dar asas a imaginação de minha mãe. Humpf.

Hellboy não dá ouvidos ao afetado e entra no casarão. Sobre a multidão também parece pairar uma aura de insatisfação pela presença do investigador, explicitada entre cochichos e dedos apontados. Poucos acreditam que ele seja realmente um demônio, principalmente depois das Nações Unidas concederem a Hellboy o título de "Humano Honorário" em 1952, com as devidas repercussões da mídia, apesar dos costumeiros detratores, como o Professor Malcolm Frost. Apesar de ter sido figura de capa de revistas como a Time e Newsweek, dentre outras, e de viver em um mundo onde anjos e deuses nórdicos fazem parte de grupos como a Liga da Justiça e Vingadores, o repúdio ao investigador ainda é forte.

Minutos depois de investigar todos os cômodos, duas vezes, o Filho do Inferno não encontra indícios que pudessem comprovar a história da dona da casa. Mesmo assim, não consegue deixar de pressentir algo estranho. "Será que o filho está certo e ela está sofrendo com a idade?", pensa. De repente, Hellboy pára em um salão no segundo andar. Ele percorre os bolsos de seu casaco até achar um estranho amuleto de ferro e com duas peças de madeira nas pontas.

— Ahá! Sabia que ainda o tinha... Vamos ver se você pode mesmo "trazer à luz aquilo que se esconde".

Hellboy levanta o amuleto acima de sua cabeça e recita algumas palavras.

— Sumgrot! Alegroth! Etismamnaim! Hasvov!

CABRUMMMMMMM


Um ser descomunal pesando três toneladas desce sobre o investigador. O peso de ambos faz o chão sob seus pés ceder e eles caem no andar inferior. A queda que é interrompida pelo baque no assoalho e o detetive do sobrenatural trata de se afastar do estranho ser arroxeado.

— Droga! Por que será que sempre despenco de algum lugar? Cara, tu é feio mesmo...

O ser não fala, mas golpeia fortemente o rosto de Hellboy, que cai para trás. O monstro continua a golpear até que o ocultista se defende com sua mão de pedra. Ao perceber que o ser sente dor, um sorriso se forma.

— Quer dizer que você não gosta de ser marretado com pedra, heim? Me diz se gosta disso.

O demônio da mão de pedra desfere vários golpes contra seu adversário até fazê-lo cair no chão, desfalecido. Ele se prepara para recitar o encantamento que levará o seu algoz de volta a seu mundo de origem, mas pára ao notar algo que faz suas feições ficarem rígidas.

Saindo da casa, o ocultista é recebido por uma multidão apreensiva, compostas de policiais, transeuntes, uma senhora preocupada, seu filho efeminado e uma Cocker Spaniel amedrontada pelo barulho. Passando por todos, ele se dirige a Rodrigo Constância e pergunta:

— Por quê?

— Eu não sei do que está falando...

— Por quê?

— Escute aqui, sua aberração, eu não admito...

— POR QUÊ?

Hellboy pega o homem pelo colarinho e o atira para o meio da rua. Os policiais fazem menção de impedi-lo de continuar a se aproximar de Rodrigo, mas são impedidos pela Sra. Graça.

— Só vou perguntar mais uma vez! Por quê?

Aos prantos, o homem finalmente responde:

— Não foi minha culpa. Eu devia muito dinheiro. Eles me forçaram a entregar o casarão. Mas a casa era de mamãe. Se eu fizesse com que pensassem que ela enlouquecera e a considerassem insana, eu herdaria o imóvel. Invoquei um demônio menor. Ele não machucaria ninguém.

Hellboy dá as costas ao ser abjeto, para que não fique tentado a dar a ele o mesmo tratamento que deu a sua criatura e segue para a Sra. Graça. Nos olhos da velha mulher, um misto de tristeza pelo seu filho e de agradecimento pelo que Hellboy fez são facilmente identificáveis.

Ela entrega a cachorrinha para Hellboy e diz:

— Obrigado. Você talvez tenha uma aparência estranha, mas é mais humano que meu filho.

— Eu que agradeço por suas palavras. A senhora não tem idéia de como elas são importantes para mim.

— Mas eu tenho que perguntar. Como você sabia?

— Dona Graça... Seu filho tem mania de colocar um monograma com suas iniciais em tudo que possui.
Antes de despachar o demônio, vi tatuado no braço da criatura as iniciais "RC"...



 
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