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Detetive do Sobrenatural # 04

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

Clube do Suingue

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Depois que comecei a ver defunto vivo, achei que nada de mais bizarro poderia me ocorrer. Isso até um dia que vi um morto participar de uma suruba. Quer dizer, sair com uns amigos e contratar os serviços de profissionais tudo bem, mas tem certos limites que é melhor não ultrapassar.

Tudo começou com um parceiro das antigas, o Carlos Eduardo, ou Edu. O cara estudou Direito, arranjou uns clientes bons e logo tava com grana alta no bolso. Já fazia uns anos que não o via, até que um dia o cara veio no meu escritório. Tava bem mais gordo, com um terno maneiro, e digamos que a testa estava um pouco grande demais...

— Depois de tanto tempo, a que devo a honra da visita do Doutor?

— Que isso, Almeidinha? Sempre seremos amigos!

— Não duvido. Mas deve ter acontecido algo importante pra você relembrar das velhas amizades.

— Pô, você falando assim parece que eu sou um esnobe! — ele estava meio puto e meio sem-graça, acho que não conseguia decidir como devia se sentir.

— Que é isso... vamos entrando, quer um copo d’água?

— Não, não... na verdade vim tratar de negócios.

Achei que ia vir uma parada sinistra pra mim. Ingenuidade minha.

— Sabe o que é? — ele disse — Sei que você é um bom detetive, e preciso que descubra algo pra mim.

— Então manda!

— Uns amigos meus lá do escritório tão sempre dando umas festinhas. Muita mulher, birita à vontade. Pois bem, nesse último fim de semana eu tava lá, tinha enchido a cara, e bem...

Um silêncio de uns cinco segundos seguiu, o que pareceu uma eternidade.

— Fala logo!

— É que algum filho da puta me enrabou!

Não agüentei e caí na gargalhada!

— Porra, Almeidinha! Cadê seu profissionalismo?

— Quaquaqua... foi mal, quer dizer... quaquaqua... você se fodeu nessa, hein? Ou melhor, foderam você!

— Sabia que era um erro vir aqui!

Ele levantou com o rosto vermelho de raiva, bufando.

— Deixa de viadagem, assim vou achar que gostou!

Ele não se conformou muito não, mas acabou se acalmando. Então me contratou pra descobrir quem foi o tal cara que comeu ele. Queria se vingar. Pra isso, me convidou pra próxima festinha que rolou uns dez dias depois.

O mais bizarro de um clube do suingue é que a maioria dos freqüentadores vai lá pra assistir e não pra participar. E lá estava eu, no meio daquele bando de voyeurs babões tentando descobrir o que aconteceu.

O Edu não era casado, por isso costuma levar uma profissional para este tipo de evento. Ele chegou com uma loura falsa que foi logo tirando a roupa. Ficou só de calcinha vermelha de rendinha. Edu tirou logo tudo de uma vez e foi para a hidromassagem. Os demais participantes foram chegando pouco a pouco. A maioria devia estar na faixa dos 30 e 40. Mulheres com nem tudo lá em cima, homens com alguns pelos brancos no peito e parcialmente carecas.

O povo foi bebendo, se beijando, e logo estavam todos nos finalmentes. O público parecia gostar do que via, mas confesso que estava achando aquilo tudo entediante. Me afastei um pouco de todos, procurando um café pra não dormir. Foi quando o Lélio, o fantasma que adora me atazanar, deu as caras na festinha.

— Achei que você fosse necessitar da minha ajuda hoje, por isso resolvi aparecer.

— Desta vez não teremos nada de sobrenatural, está perdendo seu tempo. — respondi baixinho, pra ninguém pensar que eu era maluco.

— Não teria tanta certeza!

Lélio apontou pra suruba, e fui conferir o que estava acontecendo. Foi quando percebi que tinha um fantasma no meio da bagunça! Era homem, mas tinha um aspecto meio afeminado, alto, de cabelos e olhos castanhos. Ao notar que estava sendo observado, deu uma piscadinha pra mim e perguntou:

— Quer participar da festa?

Neste momento, ele literalmente entrou no corpo do Edu. Este, que estava beijando uma morena bunduda, parou imediatamente. Procurou então um senhor de cabelos já grisalhos e o agarrou. O cara retribuiu com um beijo de língua. Em seguida, ambos começaram a se esfregar, até que o Edu ficou de quatro, com a bunda empinada pro alto.

Meu sono passou na hora. Fui correndo e entrei no meio da bagunça gritando.

— Parem com isso! Ninguém vai comer o meu amigo!

A princípio, todos me olharam assustados. Até que o senhor, ainda de pau duro, reclamou:

— Olha só, se quiser participar tem que esperar a sua vez.

O Edu se levantou e pulou em mim, tentando me beijar.

— Vem cá, amiguinho! Deixe eu te dar o que você quer.

Eu o segurei, tentando afastá-lo de mim.

— Olha só, se você quer dar o que é seu tudo bem, mas fazer caridade com a bunda alheia é sacanagem!

Foi quando o Lélio tentou "invadir" o corpo do Edu. O outro fantasma não gostou, e a porrada começou a comer entre os dois — dentro do meu amigo. Pra todo mundo ali, foi uma cena estranha: Edu estava estapeando a si mesmo enquanto gritava:

— Saia desse corpo! Saia agora!

O clima ficou tenso. Muitos começaram a se vestir, outros olhavam uns aos outros sem saber o que fazer. O senhor grisalho reclamou que ainda não tinha comido ninguém. Eu também fiquei em dúvida por um momento, até que resolvi enfiar a mão na cara do Edu. Apliquei-lhe um soco certeiro no queixo, que o fez cair desmaiado.

Acho que fui precipitado. Porque após o corpo cair, o fantasma esquisitão resolveu aparecer para todos, gritando:

— Seus malditos! Acabarei com todos vocês!

Foi um corre-corre desgraçado! Foi um tal de gente sair correndo pela rua, muitos pelados inclusive. A histeria era total. Só sobrei eu, encarando o fantasma.

— Olha aqui, amigão, você não me mete medo. Se manda daqui antes que o bicho pegue pro teu lado!

— E o que você vai fazer contra mim? Não pode nem ao menos me tocar!

— Tenho conhecidos que freqüentam terreiros que te despacham pro além rapidinho. É mexer comigo pra não mexer com mais ninguém, tá entendendo?

— Bem, a festa já acabou mesmo. Vou embora, mas não pense que não iremos nos encontrar novamente!

Então ele simplesmente sumiu. Fiquei meio confuso, será que ele caiu no meu papo mesmo? Ou apenas deixou pra se vingar mais tarde? Pode ser o meu que ele vai querer dar na próxima suruba, certo?

— Lélio! — gritei até ele aparecer — Olha só, nunca deixe essa assombração chegar perto de mim.

— Tá com medo de abrir seu terceiro olho, Almeidinha? — o desgraçado riu pra valer da minha cara.

Logo a polícia chegou. Convenhamos, um bando de gente pelada na rua chama mesmo a atenção, certo? Tive que prestar uns depoimentos e tal, falei que o Edu tinha pedido pra que eu o impedisse de fazer coisas que ele não faria sóbrio — história que ele confirmou quando finalmente acordou. Acabou ficando tudo por isso mesmo.

Pouco tempo depois, o tal fantasma apareceu no meu escritório. Já era tarde da noite, estava me preparando para dormir. Mas não quis se vingar. Pelo contrário, falou para mim que durante a vida foi um enrustido, e que queria aproveitar um pouquinho mais pra partir sem arrependimentos. No dia seguinte, chamei o Edu pra uma conversa.

— Primeiramente, você até hoje não me pagou.

— Que é isso, Almeidinha. Tô pra ganhar os honorários de um caso que vai me dar uma bolada. É só esperar mais um pouco que vai estar com sua grana na mão.

— Deixa de enrolação. Vai me pagar agora!

Ele relutou, mas pegou a carteira e assinou um cheque.

— Olha só, ainda não me convenci de sua explicação. Um fantasma entrava em mim e me fazia... bem, me fazia queimar a rosca.

— É mesmo uma explicação tosca, né? — perguntei, meio cínico — A verdade é que você bebe demais, cara. Mas não faz nada obrigado — isso é desculpa pra não admitir que gosta de ver a coisa entrando!

— Pô, cara... não conta pra ninguém, pelo amor de Deus!

— Tá tranqüilo! Não se preocupa, de mim ninguém vai saber nada.

E assim termina a história: o Edu continuou participando das festinhas, e sempre que chegava a hora de você-sabe-o-quê, o tal fantasma incorporava nele e aproveitava pra se divertir um pouquinho também.

Não é legal quando o final é feliz para todos?




 
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