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Detetive do Sobrenatural # 03

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

O Alquimista de Bangu

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Estava um calor insuportável naquela segunda-feira. Eu tinha acabado de dividir um frango de padaria com a Cleusa. Acho que ela deve ter se arrependido disso, pois não parava de falar que o meu jeito de comer parecia mais o de um bicho, que tirava a fome dela. Só porque gosto de comer frango com a mão, chupando os ossos. É claro que fazer carinho no rosto dela com a mão toda melecada não ajudou muito, mas mulher é tudo um bando de fresca também. Ela saiu do meu escritório meio puta comigo, mas depois eu resolvia isso.

Belquior chegou logo depois do almoço. Entrou no escritório já metendo moral. Eu nunca tinha visto tanto ouro junto — ele botou na minha mesa um relógio, latas de refrigerante, garfos, colheres, enfim, várias bugigangas, todas feitas de ouro.

— Pois é, Almeidinha, finalmente consegui! — ele não continha o sorriso de vitória em seu rosto.

— Isso é ouro mesmo, cara? Aquele lance de alquimia funciona, no fim das contas?

— E como!

Deixa eu falar sobre o Belquior: é um cara bastante inteligente, tem cara de índio boliviano, de estatura média, pele morena, cabelos negros bem lisos, que vão até o meio das costas — geralmente usa um rabo-de-cavalo. É bem gordinho (não que eu possa falar muito). Sempre foi ligado a coisas esotéricas, e um dia cismou que era alquimista. Se enfurnou num quarto de sua casa em Bangu e desde então não tive muitas notícias.

— Descobriu a tal pedra filósofa, é?

— Filosofal! E sim, descobri! — dava pra perceber o orgulho dele, mas ao mesmo tempo percebi que algo estava errado.

— Sei... mas em que posso ser útil?

— Bem, você sempre soube como fui um obstinado investigador dos mistérios além do véu de Maya...

— Quem é a piranha?

— Como assim?

— Você ta falando um blablablá aí pra ter desculpa pra falar dessa tal de Maya, não é?

— Almeidinha, Maya é uma deusa!

— Pra você trocar a Renata, tem que ser por uma gostosa mesmo... — dei uma piscadinha pra ele, que não gostou nem um pouco.

Eu não traí minha esposa! — ele berrou, enquanto levantava da cadeira, sem paciência nenhuma.

— OK, não tá mais aqui quem falou... — Belquior ficou meio sem graça, ajeitou a gola da sua camisa e prosseguiu:

— Vou direto ao ponto então: depois de muita pesquisa, consegui encontrar a pedra filosofal. O problema é que não sei como... em um belo sábado fui pro laboratório depois de comer uma feijoada e acabei pegando no sono. Não fiz nenhuma anotação... quando acordei, simplesmente a pedra estava ali, na minha frente. Desde então venho tentando repetir a experiência.

— E em que posso ajudar?

— Não falei pra ninguém, só pra Renata. Mas começaram a aparecer uns fantasmas lá em casa. São gringos. No início não dava bola, eles só ficavam no laboratório. Depois foram invadindo a casa. A Renata não gostou, disse que eu tinha acabado com a privacidade dela. O pior é que os danados aprenderam português e ficam dando opinião em tudo. Ela falou que se eu não os expulsar de casa, quem sai é ela.

— É aí que eu entro então?

— Eu te imploro, Almeidinha... Do que me adianta pedra filosofal se vou perder minha esposa? — dava pra perceber que o homem tava segurando o choro. Pior que a Renata era um filé, muito boa. Eu entendia o desespero dele.

— Pra que servem os amigos, né? Pode contar comigo!

— Valeu mesmo, Almeidinha! Vou ficar te devendo essa!

— Falando em dever, tem um detalhe nessa história...

— Que foi?

— Você falou que os fantasmas eram gringos, certo?

— Sim.

— Bem, pra fantasma gringo tenho que cobrar mais caro.

— Como assim?

— Eles não falam nossa língua, é mais difícil a comunicação.

— Mas já te disse que eles aprenderam português.

— Mesmo assim... eles são de outra religião, não acreditam nas mesmas coisas que nós... é mais complexo, entende?

— Pra falar a verdade, não.

— Vou ter que cobrar um adicional de 30%! Pense na felicidade da Renata quando esses fantasmas forem embora...

Belquior relutou, mas acabou aceitando. Depois que ele foi embora, Lélio apareceu.

— Que foi? — já estava de saco cheio dessa peste ficar entrando no meu apartamento o tempo todo — Não tem nenhuma fantasma pra você namorar não?

— Eu sou casado!

— Sei muito bem disso... Ainda to devendo uma visita pra sua patroa. Afinal, enquanto você ta aí no além alguém tem que cuidar da pobre viúva...

— Vim pra te ajudar com o novo caso.

— Ia falar que não me lembro de ter pedido sua ajuda, mas acho que não vai adiantar nada...

— Finalmente está aprendendo! — o safado sorriu cinicamente.

No dia seguinte, fui pra Bangu. Peguei um ônibus aqui perto na Praça Tiradentes mesmo. Depois de uma viagem sem fim, finalmente cheguei na casa do Belquior. Era grande, bonita, tinha dois andares, toda pintada de branca, um belo gramado. Os muros não eram altos, mas uma grade preta dava conta da segurança do local. O quintal também era bem espaçoso, com piscina.

— Oi, Almeidinha! Tudo bom? Só você mesmo pra resolver essa — já fazia um tempo que não via a Renata. Ela continuava boa pra cacete, loira, pele branquinha, uns peitões maravilhosos e a bunda bem redondinha. Pena que era casada com um amigo...

— Belquior me explicou a situação, vamos tentar acabar logo com isso.

— Vamos entrando, quer um copo d’água?

— Quero sim, valeu!

Fiquei na dúvida se ela conseguiria ver o Lélio, já que estava enxergando outros fantasmas. Mas se viu não falou nada, acho que porque ele não tinha nada a ver com a pedra filosofal.

Belquior chegou logo que terminei a bebida. Logo me levou ao laboratório e mostrou a tal pedra. Era do tamanho da palma da minha mão, verde escura, não muito brilhante.

— Aqui está, Almeidinha. Não é uma beleza?

— Sim. Gostaria de saber como você faz pra transformar as paradas em ouro.

— Simples, eu a coloco neste vasilhame com água, o vapor passa por este cano, vai até este outro vasilhame onde fica o objeto que será transformado. — tudo isso estava em cima de uma grande mesa preta. O laboratório era chamado assim só pra que o Belquior pudesse tirar onda de alquimista, na verdade era um porão iluminado apenas com uma lâmpada pendurada nuns fios mal instalados — Depois de um tempo, a operação vai surgindo efeito, até a modificação se realizar.

— Sei... tenho uma solução que acho que você não vai gostar.

— Pode falar, eu agüento.

— Seguinte... se os fantasmas estão atrás da pedra, é só destruí-la que o problema se acaba!

Não!

Um fantasma apareceu neste instante, gritando contra minha idéia. Era um senhor com cabelos grisalhos, rosto meio rosado, gordo e careca. Falava com sotaque carregado.

— Esse é um dos sujeitos?

Belquior apenas concordou com a cabeça.

— Vocês são loucos! — respondeu a assombração — Passamos todas as nossas vidas procurando por esta pedra, e agora vocês querem destruí-la?

— A idéia é essa...

— Não, não, mil vezes nem pensar!

Neste instante, ouvimos a Renata gritando. Saímos correndo e (pro meu deleite) ela estava molhada, enrolada numa toalha branca que mal cobria seu corpo.

— Belquior... se livra desses putos agora!

Poucas vezes vi uma mulher gritar com tanta raiva com seu marido.

— O que houve, querida?

— Um fantasma entrou no banheiro enquanto eu tomava banho.

Ele abraçou a esposa, tentando acalmá-la. Agindo contra meus instintos, que queriam que eu continuasse olhando pra loira, fui forte e os deixei sozinhos. Desci pro laboratório pra dar um fim nessa história. Quando cheguei, cinco fantasmas estavam em volta da mesa onde a pedra se encontrava. Eram todos homens, aparentando bastante idade (bem, relativamente falando... vai saber quantos anos tem um fantasma!).

— Lélio, faz alguma coisa de útil.

Ele tentou, coitado. Não se pode dizer que não tentou.

— Saiam daqui, não vêem que estão importunando esta pobre família?

— A ciência, o conhecimento, o que é o sofrimento de uma família perto disso? — respondeu o primeiro fantasma, que parecia ser o líder.

— Vou mostrar o que é... — Lélio arregaçou as mangas da camisa (não me perguntem como alguém do lado de lá consegue se vestir) e partiu pra cima dos caras. Os cinco o rodearam e encheram o coitado de porrada. Foi soco, chute no estômago, tapa da cara. Nunca vi um fantasma apanhar tanto. Pra falar a verdade, nem sabia que fantasma podia apanhar. Só sei que enquanto eles brigavam, saí correndo e peguei a pedra.

— Otários! — gritei, jogando o objeto verde de uma mão pra outra.

— Solte isso, ou... — o líder não sabia o que fazer.

— Ou? — gargalhei, balançando a pedra na mão. Então a joguei pra fora do laboratório com toda minha força. O problema é que nessa hora o Belquior estava entrando. O meu tiro foi certeiro, bateu certinho na testa dele. Meu amigo ficou meio atordoado, enquanto o artefato que ele criou caiu no chão.

— Foi mal, cara. Não sabia que você ia entrar.

— Tudo bem. Tudo...

Belquior desabou no chão e desmaiou. Os alquimistas aproveitaram minha distração e foram correndo atrás da pedra, mas nenhum conseguia segurá-la. Suas mãos passavam por dentro dela.

— Vocês são uns panacas mesmo. — peguei-a de volta e a coloquei no bolso.

Meu amigo logo acordou. Sua esposa o levou pro hospital, onde se constatou que nada demais havia ocorrido com ele. Depois que fui embora, os fantasmas nunca mais apareceram por lá. Tudo ficou bem no final: a Renata se livrou das assombrações, o Belquior continuou com as pesquisas.

Lélio também não se feriu. Pelo visto um fantasma pode bater em outro, mas eles não se machucam. Acho que foi isso, tenho que perguntar pra ele depois pra ter certeza. Talvez por vergonha, meu encosto ficou um bom tempo sem aparecer.

Eu achei que os alquimistas iriam me encher o saco, mas também não deram mais as caras. Deixei então a pedra filosofal escondida numa gaveta da minha mesa. Acho que um dia isso ainda vai ser útil. E quem sabe consigo aprender o que o Belquior fazia com ela? Ouro nunca é demais...




 
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