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Detetive do Sobrenatural # 02

Por Rafael 'Lupo' Monteiro

Caçadores de Saci

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Odeio quando o telefone toca de manhã!

Eram 9 horas, mas eu só tinha ido dormir às 7. A noite tinha sido ótima, eu e a Cleusa bebemos pra caramba, e graças ao meu estado etílico, ela acabou me fazendo cantar Robocop Gay no karaokê. Mas depois me compensou muito bem, ainda vou descobrir onde a danada está descobrindo essas novidades.

O fato é que o telefone me acordou. Custei a levantar do sofá, mas o corno do outro lado era insistente. Acabei atendendo de mau-humor, e mal balbuciei algumas palavras quando ouvi:

— Almeidinha, é você que está aí?

— Sim... Eu mesmo...

— Aqui é o Ricardo, Almeidinha. Tudo bom? — Ricardo é meu cunhado, mora em Penedo, onde tem uma pequena fazenda. É um chato, porém tem grana, então procuro não tratar mal.

— Ricardo... Como vai, cara? Tudo bem? E a Mariana? — falei entre bocejos.

— Sua irmã está bem, dentro do possível.

— O que foi que aconteceu? — perguntei, preocupado com ela.

— É difícil explicar por telefone. Você ainda está no ramo do sobrenatural? — será que o trouxa não sabia que eu sempre inventei essas coisas?

— Sim, claro!

— Gostaria que você viesse passar uns dias conosco, seus conhecimentos se fazem necessários por aqui... — é realmente um otário!

— Olha, Ricardo, o problema é que dependo dos meus honorários pra sobreviver, e não posso me ausentar do Rio de Janeiro por muito tempo.

— Se isso for o problema, eu pago o equivalente pelo tempo que ficar aqui. — Agora ele começou a falar minha língua!

— Mas você é da família, Ricardo...

— Deixe disso, homem! Quando desejo um profissional, contrato o melhor!

Bem, acabamos nos acertando, e cobrei muito mais do que normalmente pra aceitar um caso. Precinho especial pra família.

Peguei minha mala verde e comecei a arrumar as coisas, quando Lélio, o fantasma que escolheu pra ser meu encosto, apareceu.

— Vamos viajar pra onde?

— EU vou pra Penedo. Você, espero que pra bem longe.

— Vamos, Almeidinha, você sabe que precisa de mim. Quem foi que te ajudou no último caso?

— Me ajudou a ser atacado por um lobisomem e levar um tiro na bunda? Realmente, o que seria de mim sem você?

Ele fez uma cara de desentendido e continuou:

— Nós somos parceiros! E como você é o único com quem consigo falar desde que vim pro lado de cá, essa parceria ainda será longa!

— Tenho que lembrar de resolver logo o seu caso.

Passei o resto do dia descansando, e na manhã seguinte peguei um ônibus pra Penedo.

Cheguei na hora do almoço. Ricardo me levou numa lojinha que vende chocolate e licor, especialidades da região. Depois de atravessarmos a rua principal da cidade, chegamos à fazenda do meu cunhado. Não é uma grande fazenda, mas dava pra ele sobreviver bem a explorando.

Ricardo é um sujeito de estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, mas o que chama a atenção mesmo é sua grande barriga, cuja circunferência parece atingir 180º em relação às suas costas. Mariana, minha irmã, é uma bela morena, mas engordou pra cacete em relação à última vez em que a vi. Fico imaginando se a cama deles agüenta os dois, e na hora do sexo deve haver terremoto por toda a propriedade.

Quando finalmente chegamos à fazenda, sentamos na sala, com móveis rústicos e sofás também já antigos. A mesa estava muito bem servida, tinha polenta frita, mandioca, tutu, feijão marrom, arroz e leitão assado. O Lélio, que até então andava sumido, apareceu e "sentou" ao meu lado. Depois ainda teve sobremesa, doce de leite com queijo branco, e muito chocolate da região. Eu comi até não agüentar mais. Ricardo mandou Neide, a empregada, nos servir um cafezinho, e finalmente resolveu falar o motivo de ter me chamado.

— Almeidinha, esperei que estivéssemos em casa para falar do assunto que interessa.

— Pode falar então. É algo a ver com Mariana?

— Não se preocupe, o problema é outro. Sabe, a nossa produção anda comprometida ultimamente. Pra começar, o leite das vacas começou a azedar. Depois os bichos não conseguiam dormir direito, o cachorro amanheceu pintado de vermelho certa manhã, e o gato enterrado num monte de bosta de boi.

— Imagino que vocês tenham dado um banho nele, ou ele se lavou na língua como os gatos geralmente fazem?

— Você não perdeu o costume de ser nojento, hein? — reclamou Marina.

— É que qualquer detalhe, por mais insignificante que pareça, pode ser importante — falei num tom meio cínico, meio sério.

— Mariana, deixe seu irmão, os detetives estão sempre buscando informações — como esse cara tem grana, eu me pergunto.

— O mais importante, porém — continuou Ricardo — é que, na noite anterior a que te liguei, alguém abriu a porteira do curral, e ontem passei o dia todo procurando os bichos pela cidade. Foi por isso que resolvi te chamar.

— Mas o que tem de sobrenatural nisso?

— Um dos nossos funcionários viu, enquanto realizávamos a busca, um bicho estranho, que parece homem, em cima da árvore fumando um cachimbo. Acho que você já deve imaginar o que é.

Ambos olhavam pra mim, esperando uma resposta. Mas não fazia idéia do que responder.

— Bem... Um bicho que parece homem, fazendo essa zona toda na fazenda... — tentei enrolar.

Foi aqui que o Lélio deu sinal de vida e falou:

— Um saci, seu idiota!

— É claro que se trata de um saci — falei, com segurança.

— Estávamos certo, então! — Ricardo parecia aliviado. Eu não sei porquê não pensaram num menino levado, mas desde que estivesse ganhando o meu, tudo bem.

— Bem, vou dormir um pouco agora, e tentarei bolar uma estratégia para pegá-lo mais tarde.

No quarto, perguntei ao Lélio como poderia capturá-lo.

— Você nunca leu Monteiro Lobato, Almeidinha? — ele falou isso num ar de superioridade que me deixou meio puto.

— Não sou chegado em livros, prefiro mulher e cachaça.

— Mas são livros infantis! Vai dizer que na infância você não leu?

— Prefiro não falar da minha infância. Aliás, você sabe ou não pegar saci?

— Já tenho um plano perfeito...

O plano dele era mesmo perfeito... pra me fazer de palhaço!

Quando chegou a noite, depois da janta também farta, fui para o curral, e me escondi entre os animais. O cheiro não era dos melhores, mas tudo bem. Fiquei lá aguardando o demoniozinho, só que nada dele aparecer. Eu carregava uma peneira, uma garrafa vazia e uma rolha com uma cruz desenhada, que Lélio, que estava ao meu lado, garantiu que segurava o saci dentro da garrafa. Falou que tínhamos de esperar que o bicho já ia aparecer, pois a noite estava com bastante vento.

Acabei caindo no sono. Alguns minutos depois, fui sentido um calor, e acabei acordando. Quando percebi, minhas calças estavam em chamas! Olhei para trás, e vi uma criatura negra, não muito grande, com um cachimbo na boca e um gorro vermelho rindo de não se agüentar.

— Então foi você que mandaram pra me caçar? — a criatura tirava onda comigo, enquanto eu corria feito barata tonta. Ele tinha mesmo apenas uma perna, e um furo em cada mão. Ficava brincando com uma pequena brasa, fazendo-a passar pelos buracos, e depois usava para acender seu cachimbo. Com certeza foi uma dessas que ele jogou em mim.

Por sorte, as chamas não eram grandes, e consegui sair do curral e me jogar no mato, tentando apagá-las. Abri o zíper da calça correndo e fiquei só de cueca, que estava furada bem na frente. Eu só uso as minhas cuecas boas quando vou sair com alguma mulher, do contrário procuro economizar, e uso só as velhas.

O pior é que a minha burrice às vezes parece não ter limites. Joguei a calça em chamas no mato, e o vento logo as fez se espalharem.

Sai correndo, com as banhas balançando, metade do bilau pra fora e gritando "Fogo! Fogo!". Logo todos acordaram, e arrumaram uma mangueira que, junto com alguns baldes, aos poucos, foi apagando o incêndio.

— Almeidinha, o que aconteceu aqui? — Ricardo estava incrédulo, com cara de bobo, enquanto Mariana ria da minha patética figura.

— Foi o danado do saci! Mas eu vou pegar o desgraçado!

— Deixe disso, homem, amanhã você tenta de novo!

— Isso agora é questão de honra!

Fui pro quarto, troquei de roupa — mas não de cueca, o pior já tinha acontecido, não ia sujar uma cueca boa por causa de um saci! — e voltei para o mato. Antes passei no curral, peguei a garrafa, a rolha e a peneira, e fiz a ronda no pasto, procurando pelo desgraçado.

Depois de uma hora andando no escuro, acabei me cansando. Sem contar que tinha comido muito o dia todo, comida de fazenda é sempre pesada, e acabou me dando dor de barriga. Como estava longe da casa, acabei me agachando numa moita e mandei ver por lá mesmo. Sabe como é, já tava batendo na porta, não tinha como segurar.

Dei aquela descarregada que faz a gente até se sentir mais leve! Foi então que alguém por trás chutou a minha bunda, e acabei caindo de cara no chão (por sorte, caí pra frente). Nem precisava virar pra ver quem era, mas o fiz mesmo assim. Era o danado do saci, rindo da minha cara! Só não sei como ele conseguiu me chutar com uma perna só!

Foi então que o Lélio apareceu, e gritou:

— A peneira, Almeidinha! Use-a!

Demorei um segundo, mas agi. Joguei a peneira na direção do demoniozinho, que conseguiu escapar.

Lélio correu atrás do bicho, e conseguiu alcançá-lo. Os dois se engalfinharam, e me surpreendi por ver um fantasma interagindo com o mundo material, se é que podemos falar de saci como mundo material.

Aproveitei para usar a peneira de novo, e dessa vez consegui acertar! Logo, arranquei o gorro do saci, prendi-o na garrafa, e coloquei a rolha na boca da garrafa.

— Consegui! Consegui! — gritava com muita felicidade, finalmente tinha obtido sucesso!

— Legal, Almeidinha! — respondeu Lélio — Agora, que tal se limpar?

No dia seguinte, o Ricardo ficou muito contente por ter seu problema resolvido. Me despedi dele e da Mariana, que ainda tirou onda comigo.

— No próximo Natal, pode deixar que te darei umas cuecas de presente. A não ser que você seja ecologista, e prefira deixar o bicho solto!

— Ecologista deve ser o Ricardo, que namorou um golfinho e casou com uma baleia!

Ela quis me bater, mas o marido acalmou os ânimos. É por essa e por outras que não vejo meus familiares com freqüência. Acabamos fazendo as pazes, e peguei o ônibus pro Rio. E claro, levei minha garrafa com o saci. Era meio estranho, o saci fica invisível dentro da garrafa, então parecia que eu carregava uma garrafa vazia. Mas ninguém falou nada.

Chegando em casa, deixei a garrafa em cima da minha mesa, ao lado do gorro. Fui tomar um banho, e a Cleusa logo bateu na porta. Sai enrolado na toalha, pra deixá-la entrar.

— É assim que gosto do meu macho! — Ela me deu um longo beijo, e pensei em deixar o banho pra mais tarde. Só que ela cortou meu barato. — Primeiro vai tomar banho, que você está fedido!

— Pensei que você gostasse do meu cheiro!

— E gosto... Depois do banho!

Voltei pro banheiro, e mal entrei debaixo do chuveiro, ela gritou:

— E o saci, conseguiu pegar?

— Claro! Você sabe que eu sou foda! Ele tá dentro da garrafa!

— Aqui dentro? Eu não to vendo nada!

— É que ele fica invis...

Tarde demais! Ela abriu a garrafa pra tentar ver melhor, e o saci conseguiu escapar. Cleusa deu um berro, e tive que sair correndo ainda molhado.

— Adeus, seus otários! — o saci pegou o gorro, e uma ventania o levou pela janela, bagunçando todo o meu escritório.

Acabei tendo que consolá-la, e fiz do jeitinho especial que só eu consigo.

Ainda me pergunto onde é que o saci foi parar...




 
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