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Por
Rafael 'Lupo' Monteiro
Caçadores de Saci
Odeio quando o telefone toca de manhã!
Eram 9 horas, mas eu só tinha ido dormir às 7. A noite tinha sido ótima, eu e a Cleusa bebemos pra caramba, e graças ao meu estado etílico, ela acabou me fazendo cantar Robocop Gay no karaokê. Mas depois me compensou muito bem, ainda vou descobrir onde a danada está descobrindo essas novidades.
O fato é que o telefone me acordou. Custei a levantar do sofá, mas o corno do outro lado era insistente. Acabei atendendo de mau-humor, e mal balbuciei algumas palavras quando ouvi:
Almeidinha, é você que está aí?
Sim... Eu mesmo...
Aqui é o Ricardo, Almeidinha. Tudo bom? Ricardo é meu cunhado, mora em Penedo, onde tem uma pequena fazenda. É um chato, porém tem grana, então procuro não tratar mal.
Ricardo... Como vai, cara? Tudo bem? E a Mariana? falei entre bocejos.
Sua irmã está bem, dentro do possível.
O que foi que aconteceu? perguntei, preocupado com ela.
É difícil explicar por telefone. Você ainda está no ramo do sobrenatural? será que o trouxa não sabia que eu sempre inventei essas coisas?
Sim, claro!
Gostaria que você viesse passar uns dias conosco, seus conhecimentos se fazem necessários por aqui... é realmente um otário!
Olha, Ricardo, o problema é que dependo dos meus honorários pra sobreviver, e não posso me ausentar do Rio de Janeiro por muito tempo.
Se isso for o problema, eu pago o equivalente pelo tempo que ficar aqui. Agora ele começou a falar minha língua!
Mas você é da família, Ricardo...
Deixe disso, homem! Quando desejo um profissional, contrato o melhor!
Bem, acabamos nos acertando, e cobrei muito mais do que normalmente pra aceitar um caso. Precinho especial pra família.
Peguei minha mala verde e comecei a arrumar as coisas, quando Lélio, o fantasma que escolheu pra ser meu encosto, apareceu.
Vamos viajar pra onde?
EU vou pra Penedo. Você, espero que pra bem longe.
Vamos, Almeidinha, você sabe que precisa de mim. Quem foi que te ajudou no último caso?
Me ajudou a ser atacado por um lobisomem e levar um tiro na bunda? Realmente, o que seria de mim sem você?
Ele fez uma cara de desentendido e continuou:
Nós somos parceiros! E como você é o único com quem consigo falar desde que vim pro lado de cá, essa parceria ainda será longa!
Tenho que lembrar de resolver logo o seu caso.
Passei o resto do dia descansando, e na manhã seguinte peguei um ônibus pra Penedo.
Cheguei na hora do almoço. Ricardo me levou numa lojinha que vende chocolate e licor, especialidades da região. Depois de atravessarmos a rua principal da cidade, chegamos à fazenda do meu cunhado. Não é uma grande fazenda, mas dava pra ele sobreviver bem a explorando.
Ricardo é um sujeito de estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, mas o que chama a atenção mesmo é sua grande barriga, cuja circunferência parece atingir 180º em relação às suas costas. Mariana, minha irmã, é uma bela morena, mas engordou pra cacete em relação à última vez em que a vi. Fico imaginando se a cama deles agüenta os dois, e na hora do sexo deve haver terremoto por toda a propriedade.
Quando finalmente chegamos à fazenda, sentamos na sala, com móveis rústicos e sofás também já antigos. A mesa estava muito bem servida, tinha polenta frita, mandioca, tutu, feijão marrom, arroz e leitão assado. O Lélio, que até então andava sumido, apareceu e "sentou" ao meu lado. Depois ainda teve sobremesa, doce de leite com queijo branco, e muito chocolate da região. Eu comi até não agüentar mais. Ricardo mandou Neide, a empregada, nos servir um cafezinho, e finalmente resolveu falar o motivo de ter me chamado.
Almeidinha, esperei que estivéssemos em casa para falar do assunto que interessa.
Pode falar então. É algo a ver com Mariana?
Não se preocupe, o problema é outro. Sabe, a nossa produção anda comprometida ultimamente. Pra começar, o leite das vacas começou a azedar. Depois os bichos não conseguiam dormir direito, o cachorro amanheceu pintado de vermelho certa manhã, e o gato enterrado num monte de bosta de boi.
Imagino que vocês tenham dado um banho nele, ou ele se lavou na língua como os gatos geralmente fazem?
Você não perdeu o costume de ser nojento, hein? reclamou Marina.
É que qualquer detalhe, por mais insignificante que pareça, pode ser importante falei num tom meio cínico, meio sério.
Mariana, deixe seu irmão, os detetives estão sempre buscando informações como esse cara tem grana, eu me pergunto.
O mais importante, porém continuou Ricardo é que, na noite anterior a que te liguei, alguém abriu a porteira do curral, e ontem passei o dia todo procurando os bichos pela cidade. Foi por isso que resolvi te chamar.
Mas o que tem de sobrenatural nisso?
Um dos nossos funcionários viu, enquanto realizávamos a busca, um bicho estranho, que parece homem, em cima da árvore fumando um cachimbo. Acho que você já deve imaginar o que é.
Ambos olhavam pra mim, esperando uma resposta. Mas não fazia idéia do que responder.
Bem... Um bicho que parece homem, fazendo essa zona toda na fazenda... tentei enrolar.
Foi aqui que o Lélio deu sinal de vida e falou:
Um saci, seu idiota!
É claro que se trata de um saci falei, com segurança.
Estávamos certo, então! Ricardo parecia aliviado. Eu não sei porquê não pensaram num menino levado, mas desde que estivesse ganhando o meu, tudo bem.
Bem, vou dormir um pouco agora, e tentarei bolar uma estratégia para pegá-lo mais tarde.
No quarto, perguntei ao Lélio como poderia capturá-lo.
Você nunca leu Monteiro Lobato, Almeidinha? ele falou isso num ar de superioridade que me deixou meio puto.
Não sou chegado em livros, prefiro mulher e cachaça.
Mas são livros infantis! Vai dizer que na infância você não leu?
Prefiro não falar da minha infância. Aliás, você sabe ou não pegar saci?
Já tenho um plano perfeito...
O plano dele era mesmo perfeito... pra me fazer de palhaço!
Quando chegou a noite, depois da janta também farta, fui para o curral, e me escondi entre os animais. O cheiro não era dos melhores, mas tudo bem. Fiquei lá aguardando o demoniozinho, só que nada dele aparecer. Eu carregava uma peneira, uma garrafa vazia e uma rolha com uma cruz desenhada, que Lélio, que estava ao meu lado, garantiu que segurava o saci dentro da garrafa. Falou que tínhamos de esperar que o bicho já ia aparecer, pois a noite estava com bastante vento.
Acabei caindo no sono. Alguns minutos depois, fui sentido um calor, e acabei acordando. Quando percebi, minhas calças estavam em chamas! Olhei para trás, e vi uma criatura negra, não muito grande, com um cachimbo na boca e um gorro vermelho rindo de não se agüentar.
Então foi você que mandaram pra me caçar? a criatura tirava onda comigo, enquanto eu corria feito barata tonta. Ele tinha mesmo apenas uma perna, e um furo em cada mão. Ficava brincando com uma pequena brasa, fazendo-a passar pelos buracos, e depois usava para acender seu cachimbo. Com certeza foi uma dessas que ele jogou em mim.
Por sorte, as chamas não eram grandes, e consegui sair do curral e me jogar no mato, tentando apagá-las. Abri o zíper da calça correndo e fiquei só de cueca, que estava furada bem na frente. Eu só uso as minhas cuecas boas quando vou sair com alguma mulher, do contrário procuro economizar, e uso só as velhas.
O pior é que a minha burrice às vezes parece não ter limites. Joguei a calça em chamas no mato, e o vento logo as fez se espalharem.
Sai correndo, com as banhas balançando, metade do bilau pra fora e gritando "Fogo! Fogo!". Logo todos acordaram, e arrumaram uma mangueira que, junto com alguns baldes, aos poucos, foi apagando o incêndio.
Almeidinha, o que aconteceu aqui? Ricardo estava incrédulo, com cara de bobo, enquanto Mariana ria da minha patética figura.
Foi o danado do saci! Mas eu vou pegar o desgraçado!
Deixe disso, homem, amanhã você tenta de novo!
Isso agora é questão de honra!
Fui pro quarto, troquei de roupa mas não de cueca, o pior já tinha acontecido, não ia sujar uma cueca boa por causa de um saci! e voltei para o mato. Antes passei no curral, peguei a garrafa, a rolha e a peneira, e fiz a ronda no pasto, procurando pelo desgraçado.
Depois de uma hora andando no escuro, acabei me cansando. Sem contar que tinha comido muito o dia todo, comida de fazenda é sempre pesada, e acabou me dando dor de barriga. Como estava longe da casa, acabei me agachando numa moita e mandei ver por lá mesmo. Sabe como é, já tava batendo na porta, não tinha como segurar.
Dei aquela descarregada que faz a gente até se sentir mais leve! Foi então que alguém por trás chutou a minha bunda, e acabei caindo de cara no chão (por sorte, caí pra frente). Nem precisava virar pra ver quem era, mas o fiz mesmo assim. Era o danado do saci, rindo da minha cara! Só não sei como ele conseguiu me chutar com uma perna só!
Foi então que o Lélio apareceu, e gritou:
A peneira, Almeidinha! Use-a!
Demorei um segundo, mas agi. Joguei a peneira na direção do demoniozinho, que conseguiu escapar.
Lélio correu atrás do bicho, e conseguiu alcançá-lo. Os dois se engalfinharam, e me surpreendi por ver um fantasma interagindo com o mundo material, se é que podemos falar de saci como mundo material.
Aproveitei para usar a peneira de novo, e dessa vez consegui acertar! Logo, arranquei o gorro do saci, prendi-o na garrafa, e coloquei a rolha na boca da garrafa.
Consegui! Consegui! gritava com muita felicidade, finalmente tinha obtido sucesso!
Legal, Almeidinha! respondeu Lélio Agora, que tal se limpar?
No dia seguinte, o Ricardo ficou muito contente por ter seu problema resolvido. Me despedi dele e da Mariana, que ainda tirou onda comigo.
No próximo Natal, pode deixar que te darei umas cuecas de presente. A não ser que você seja ecologista, e prefira deixar o bicho solto!
Ecologista deve ser o Ricardo, que namorou um golfinho e casou com uma baleia!
Ela quis me bater, mas o marido acalmou os ânimos. É por essa e por outras que não vejo meus familiares com freqüência. Acabamos fazendo as pazes, e peguei o ônibus pro Rio. E claro, levei minha garrafa com o saci. Era meio estranho, o saci fica invisível dentro da garrafa, então parecia que eu carregava uma garrafa vazia. Mas ninguém falou nada.
Chegando em casa, deixei a garrafa em cima da minha mesa, ao lado do gorro. Fui tomar um banho, e a Cleusa logo bateu na porta. Sai enrolado na toalha, pra deixá-la entrar.
É assim que gosto do meu macho! Ela me deu um longo beijo, e pensei em deixar o banho pra mais tarde. Só que ela cortou meu barato. Primeiro vai tomar banho, que você está fedido!
Pensei que você gostasse do meu cheiro!
E gosto... Depois do banho!
Voltei pro banheiro, e mal entrei debaixo do chuveiro, ela gritou:
E o saci, conseguiu pegar?
Claro! Você sabe que eu sou foda! Ele tá dentro da garrafa!
Aqui dentro? Eu não to vendo nada!
É que ele fica invis...
Tarde demais! Ela abriu a garrafa pra tentar ver melhor, e o saci conseguiu escapar. Cleusa deu um berro, e tive que sair correndo ainda molhado.
Adeus, seus otários! o saci pegou o gorro, e uma ventania o levou pela janela, bagunçando todo o meu escritório.
Acabei tendo que consolá-la, e fiz do jeitinho especial que só eu consigo.
Ainda me pergunto onde é que o saci foi parar...
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