|
Por
Igor Appolinário
O Demônio da Perdição (*) — Parte III
Ameaça de Traição
Torre do Relógio — Gotham City
Os computadores de Oráculo se conectam aos diversos satélites que rodeiam a exosfera terrestre. Eles todos se unem em uma rede de informações, rastreando um pequeno ponto que percorre o mar Mediterrâneo. Do espaço ele não é nada mais do que um borrão para os sensores dos satélites, mas, visto de bem perto, o cargueiro al-Kasr é como uma montanha que se move pelas águas. Milimetricamente, os satélites perseguem sua rota desde que ele deixou o Egito. (**)
Porto de Tel-Aviv — Israel
O cargueiro al-Kasr aporta no pequeno, porém moderno, porto de Tel-Aviv. A grande porta de carga se abre e o imenso minotauro dourado corre para fora. Logo após as amuradas do porto, a população caminha despreocupada, inconsciente do perigo que se aproxima. Jipes saem logo atrás do monstro, atravessando a cidade e seguindo em direção à mais importante cidade do país.
Mar Mediterrâneo — entre Europa e África
— Mas que diabos...?!
A exclamação de Zinda faz com que Canário Negro, que estava distraída observando o mar Mediterrâneo pelas pequenas janelas do Shadowhawk, se vire para a piloto ao mesmo tempo que Oráculo se aproxima. Helena e Frances cochilam exaustas na parte traseira.
— O que houve, Zinda? — pergunta Bárbara ao se aproximar, ouvindo espantada o relato da piloto.
— Algum problema, Barb? — pergunta Dinah, do seu assento.
— Pelo que Zinda acabou de me dizer, ela captou um sinal de emergência do exercito de Israel e do Mossad, (***) todos com a mesma instrução: seguir para Tel-Aviv para conter uma suposta atividade meta-humana, um gigantesco touro feito de ouro.
— O minotauro! — diz Dinah, surpresa — De alguma forma, Ra's tem controle sobre ele, é a única forma dele ter conseguido levá-lo para longe. Tenho certeza que ele também está por lá.
— Sim, mas antes de chegar a Ra's Al Ghul temos que evitar uma tragédia. Zinda, vamos direto a Tel-Aviv.
Jerusalém — Israel
Os jipes saem do deserto e entram na grande cidade de Jerusalém. Eles percorrem a cidade e chegam ao seu ponto mais santo e reverenciado: o Qotel HaMa'aravi, literalmente "muro ocidental", mais conhecido pelos residentes e fiéis como o Muro das Lamentações.
Essas grandes paredes de pedras rústicas, única parte restante do magnífico Templo de Salomão, são um ponto de encontro de todos os fiéis judeus. A Bíblia diz que o templo foi erguido para proteger a Arca da Aliança, repositório das tábuas dos Dez Mandamentos. As lendas dizem que algo muito mais poderoso se esconde na suposta câmara secreta sobre o Muro: o corpo de Maria Madalena, um tesouro inimaginável, e outras coisas ainda mais impossíveis. E é em parte por causa destas lendas que Ra's Al Ghul, o maior ecoterrorista do mundo, está aqui hoje. Talvez não sejam apenas lendas...
A Liga dos Assassinos invade a área cercada que delimita o Muro e começa a expulsar os fiéis e turistas que se aglomeram no local. Em poucos minutos, eles esvaziam o território e montam um pequeno artefato próximo à parede, se afastando rapidamente após o acionamento.
Aeroporto de Tel-Aviv
A montanha de aço negro que é o Shadowhawk estaciona com um grande impacto na pista secundária do aeroporto de Tel-Aviv. Sem nem ao menos terminar a desaceleração, a grande porta de carga se abre e o SUV de Oráculo sai em disparada, deixando para trás uma trilha de faíscas ao sair da rampa. Em poucos minutos, ele cruza algumas avenidas e chega ao ponto crítico do ataque do minotauro.
— Fácil dizer com esse monte de gente correndo pra longe. — observa Frances, criando um impulso magnético que faz com que sua máscara de metal cubra o rosto.
— Então é hora de terminar com essa "hora do horror" versão kosher.
O SUV acelera sobre uma barreira policial e pára a alguns metros do minotauro. Canário Negro e Magenta se lançam pra fora, enquanto o veículo parte em disparada, seguindo na direção de Jerusalém.
Muro das Lamentações — Jerusalém
Ra's Al Ghul, algoz dos povos decadentes, observa os "filhos de Abraão" serem sumariamente expulsos do entorno do Muro das Lamentações. Ao seu lado, Tália apenas contempla o horizonte, perdida em pensamentos. A Liga dos Assassinos termina a evacuação e se afasta do Muro, e Ubu surge no ponto de observação ao lado de seu senhor, segurando uma pequena caixa amarela.
BUM!!!
Ubu pressiona o botão vermelho na caixa amarela e uma grande cratera se abre bem próxima ao Muro das Lamentações, a explosão ecoando por toda a cidade. Quando a enorme nuvem de poeira baixa, dezenas de membros da Liga penetram na câmara sob a cratera e acendem luzes pra a iluminação.
Como um rei invasor tomando um castelo pela força de seus exércitos, Ra's caminha solenemente para dentro da câmara, sendo seguido de perto por Tália e Ubu, seus generais em sua guerra santa contra a humanidade.
O minotauro observa a estranha manobra do carro que se aproxima dele e deixa duas mulheres antes de partir. Seus músculos de pedra e metal se contraem e ele parte com toda a velocidade para cima das duas, que se esquivam do golpe momentos antes do impacto.
Canário Negro e Magenta se recuperam da primeira investida e partem para o ataque. Ao se certificar de que nenhum inocente ficou no campo de batalha, Dinah começa a usar seu grito sônico para desestabilizar o monstro metálico. Frances tenta mais uma vez concentrar seus poderes magnéticos na liga de metal do minotauro, mas como da outra vez a tentativa é inútil. Ela se irrita e começa a arrancar estruturas de metal da rua e a lançar contra o monstro.
O minotauro é pego de surpresa pelo ataque e sente o chão sobre o seus pés instável devido ao ataque sônico de Canário Negro. Quando ele recupera o equilíbrio, diversos bancos de praça, caixas postais e postes do cercado se lançam contra ele em um ataque violento, chegando a arrancar pedaços de sua pele dura. Canário Negro observa ao redor e tem uma idéia. Usando o intercomunicador miniaturizado em seu brinco, ela passa algumas instruções a Frances e se aproxima do minotauro.
Magenta observa ao redor e vê alguns grandes postes de iluminação. Ela se concentra e os arranca de suas bases, lançando-os contra o minotauro. O monstro vê a aproximação dos postes e se prepara para o impacto, mas se vê surpreendido pelas barras que se curvam sobre seu corpo, imobilizando-o.
— Skrrrrriiiiieeeeeeeee!
O grito sônico de Canário Negro atinge o minotauro em cheio, no exato momento em que ele é preso por Magenta. Ela potencializa seu poder ao máximo, fazendo suas cordas vocais arderem após tantos anos sem prática. A tática parece funcionar quando, lentamente, o monstro começa a rachar em suas poderosas juntas.
Helena salta do SUV de Oráculo em meio à poeira deixada pela explosão. Ela liga o comunicador em forma de brinco na orelha direita e caminha cautelosamente para dentro da câmara subterrânea sob o Muro das Lamentações. Uma lufada de inesperado vento gelado se abate sobre ela, fazendo-a se arrepiar.
Caçadora desce uma longa escadaria e se depara com um corredor todo forrado em tapeçarias mediterrâneas. Ao longe, em meio a uma claridade amarelada, ela pode ver três figuras díspares caminhando para dentro de um grande salão. Ela corre ao encontro das sombras, mas é barrada por uma imensidão de guerreiros que surgem praticamente do nada.
— Droga! — murmura Helena para o comunicador — Tem um templo enorme aqui dentro, Oráculo. E todo o elenco de apoio do Jackie Chan!
— Caçadora... tzzz... seu sinal... tzzzz... sendo bloqueado... cuidado!
— Ótimo. Essas tranqueiras nunca funcionam quando a gente precisa.
Caçadora dá um salto por cima do primeiro oponente que corre contra ela. Com um chute ligeiro nas costas, ele vai ao chão e Caçadora pousa pesadamente sobre ele. Os outros atacantes se entreolham e partem para cima dela ao mesmo tempo.
"Droga! Por que eu sempre estou sozinha contra dezenas de caras vestidos de ninja?" — pensa Caçadora, antes de acertar um soco no mais próximo e abrir seu bastão de combate para repelir a leva de oponentes.
Dentro da câmara mais interna, Ra's e Tália se aproximam de um grande portal dourado, semelhante àquele no templo do minotauro. Tália vai até Ubu, que segura uma caixa de pedra, o verdadeiro tesouro por trás do Minotautro de ouro, e retira uma chave dourada. Ela se dirige ao portal, Ra's a observando com grande expectativa, a mão esquerda alisando o anel dourado na mão direita, e insere a chave na fechadura, abrindo-o. O portal revela uma outra caixa, idêntica àquela do templo anterior, porém feita completamente em ouro. Ubu retira a caixa do pedestal e o grupo se encaminha de volta ao corredor, passando por Helena, que luta prensada contra uma das paredes do corredor, e saindo novamente pelo Muro. Caminhando calmamente, com todo tempo do mundo a sua disposição, Ra's se dirige ao SUV de Oráculo, com uma única preocupação em sua mente.
— Cuidado, Canário! — grita Magenta, ao ver as amarras feitas com os postes em torno do minotauro se romperem lentamente.
O grito sônico mantém o minotauro imobilizado, mas Canário começa a perder o fôlego e sua garganta arde terrivelmente. Ela pára o grito e cai de joelhos no chão, arfante. O minotauro aproveita a oportunidade e força as amarras metálicas, se soltando e correndo para longe, deixando um rastro de metal pulverizado para trás. Magenta se aproxima de Canário Negro e se certifica se ela está bem.
— Temos que... seguí-lo... — diz Dinah, rouca.
Magenta envolve as duas em um campo eletromagnético e as faz flutuar pela rua. Elas percorrem o rastro de pó dourado e avistam o minotauro ao longe. Ele corre velozmente e Magenta acelera para mantê-lo no campo visual, mas não muito para poupar Dinah, que não é completamente sustentada pelo campo. Após alguns minutos nessa perseguição em alta velocidade, elas cruzam com um grande comboio de caminhões, mais adiante o SUV de Oráculo e um caminhão restante próximos ao Muro das Lamentações. O minotauro some em meio ao comboio e as duas heroínas partem em direção ao Muro, seguindo os sons de confronto.
Caçadora respira ofegante em meio a um círculo de inimigos derrotados. Ela se mantém na posição de ataque, sentindo os olhares das dezenas de oponentes ainda em pé ao seu redor. Ela toma fôlego e se prepara para um ataque possivelmente suicída, mas é interrompida quando a parede mais próxima explode, derrubando a maioria dos inimigos, e dando passagem a Canário Negro e Magenta.
— Helena, vamos! — grita Magenta, gesticulando para ela.
As três correm para fora da câmara, em direção ao SUV. Quando se aproximam, vêem que o mesmo está abandonado, com as portas escancaradas. Elas entram no veículo e Dinah assume o comando adaptado, partindo em direção à costa, seguindo o rastro do comboio de caminhões.
O SUV pára no porto de Tel-Aviv, as três vigilantes saem de seu interior e correm para a doca onde estava ancorado o al-Kasr, mas a encontram vazia. Perto da areia, um objeto escuro e retangular chama a atenção das mulheres. Frances e Helena descem até lá, enquanto Dinah volta correndo para o Shadowhawk.
— Oh não, eles pegaram ela! — diz Frances, ao ver o notebook de Oráculo jogado na areia da praia, o monitor de plasma rompido.
Dinah entra desesperada na cabine de Bárbara dentro do avião. Ela acessa os sistemas de Oráculo, tentando desesperadamente logar no sistema de rastreamento de seus comunicadores. Com pouca prática em informática e sem nunca ter se interessado realmente em aprender a manusear o sistema dos comunicadores, Dinah abre diversas pastas e derruba os sistemas de proteção. Chocada, ela encontra um arquivo com diversas informações sobre os planos de Ra's Al Ghul, aqueles armazenados no CD deixado por Tália, e principalmente dezenas de fotos, informações místicas e análises químicas de um Poço de Lázaro.
— Barb, o que você fez...?!
Washington, DC — EUA
— Mas que diabos é isso...?
O agente James Taylor percebe uma anomalia nos sistemas que vinha analisando. É algo completamente incomum, já que ele rastreia Oráculo há muito tempo, (****) uma quebra de segurança imbecil, quase infantil. Como se o misterioso hacker estivesse correndo nu pelas vias digitais.
"Bom, não reclame das oportunidades." — pensa Taylor consigo mesmo enquanto invade os sistemas de Oráculo, arrebanhando o máximo de informações possíveis antes que o acesso fantástico suma em meio a rede — "Peguei você..."
Em algum lugar no Mediterrâneo
Oráculo... Batgirl... Bárbara Gordon... Barb... Babs... muitas faces de uma mesma mulher, uma vida fragmentada por um único tiro. Ela, com uma mente analítica e quase fria, sempre imaginou quais suas soluções para esse problema: cibernética, biônica, magia. Essa última opção sempre lhe pareceu a mais improvável. Que ramificações isso poderia levar a sua vida? Ela sempre teve conhecimento de casos incríveis de magia, mas as coisas costumavam dar errado, rotineiramente. Porém, quando sua própria parceira teve uma recuperação milagrosa pelos poderes da feiticeira Zatanna, (*****) ela começou a considerar, mais do que isso, a desejar que algo mágico ou poderoso assim acontecesse com ela.
Foi então que ele apareceu: Ra's Al Ghul. Anonimamente, ele forneceu a ela todos os dados sobre o Poço de Lázaro, enlaçando-a em seus poderes fantásticos e milagrosos. E então, nas areias do Egito, o convite definitivo. O fim do sofrimento contido e a oportunidade de ser renovada... mesmo pelo preço que teria que pagar...
Bárbara guia sua cadeira de rodas por um corredor escuro dentro de um templo. Ela treme pelo frio do local e pela ansiedade do momento, até encontrar o calor vindo de uma pequena sala repleta de archotes. No meio dela, uma poltrona velha, seu ocupante olhando atentamente para a visitante mais do que esperada.
— Vamos iniciar a conversão. — diz Ra's Al Ghul, com um sorriso no rosto.
Na próxima edição: Dinah, Helena e Frances lutam contra Ra's Al Ghul e Bárbara Gordon antes que eles consigam desenterrar a perigosa Caixa de Pandora. Será que elas conseguirão impedí-los a tempo? Será que Babs está para sempre perdida?
:: Notas do Autor
(*) Leia ouvindo: "Deal With the Devil" — Judas Priest. 
(**) Na edição anterior.
(***) Ha-Mosad le-Modi'in u-le-Tafkidim Meyuhadim ("O Instituto para Inteligência e Operações Especiais"), o serviço secreto israelense.
(****) Em Birds of Prey #14.
(*****) Desde Birds of Prey #19.
|
|
