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Arturiana Alternativa Especial

Por Octavio Aragão

As Mãos Vermelhas de Isolda

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O castelo era visível da proa do navio. Lancelot du Lac acreditava que, da pequena janela da torre, também fosse possível enxergar as velas da embarcação. Quem estava lá dentro não dava sinais de boas vindas, como seria de praxe ao perceber a Insígnia do Dragão flamulando. Enquanto imaginava o que poderia encontrar escondido naquelas pedras gastas pela erosão, o Ultramarino respirava aliviado por voltar à ativa a serviço de Arthur Pendragon.

Com o Santo Graal finalmente encontrado e Mordred morto, as coisas normalizaram na Corte. Se é que cento e vinte cavaleiros acima dos quarenta anos, gordos e sem exercício físico, além de ocasionais justas inofensivas, poderiam ser considerados normais. Arthur e Kay estavam, pouco a pouco, resolvendo todos os casos pendentes desde que a demanda pelo Cálice Sagrado afastou os melhores da Távola Redonda de seus cargos internos e políticos em Camelot. Algumas disputas pela posse de terras entre os irmãos Gawain e Gaheris, e principalmente casos envolvendo vice-reis e representantes do monarca em outras terras, sendo a tragédia ocorrida nos domínios do Rei Marcus da Cornualha a principal.

Como passava muito tempo fora de Camelot, Lancelot veio a saber da morte de Tristão de Liones meses depois do ocorrido, por meio de Gawain. O Ultramarino repousava numa pequena abadia em Logres, onde descansava depois de ter dado um fim no chamado Cavaleiro dos Campos Verdes, que, além de não pagar seus tributos à Corte, vinha denegrindo a honra da Rainha Guinevere.

Tristão morrera subitamente em seu próprio castelo, sem muitos esclarecimentos por parte da viúva, a Princesa Isolda. Arthur e Merlin suspeitaram de traição e assassinato por envenenamento, mas outros problemas impediram que uma comitiva fosse enviada à Cornualha para esclarecer a situação. A guerra contra o usurpador se avizinhava e o Rei tinha sua própria cota de traidores com os quais se preocupar.

Lancelot quase embarcou por conta própria para saber o que tinha acontecido. Afinal, Tristão era seu único igual entre todos os cavaleiros que freqüentaram a mesa de Arthur. No dia em que se encontraram pela primeira vez, ambos incógnitos, lutaram por mais de vinte e quatro horas seguidas até a exaustão, sem que nenhum dos dois vencesse a contenda. A partir daquele momento, juraram lealdade eterna.

Infelizmente, essa foi mais uma das promessas não cumpridas de Lancelot du Lac. Gawain tinha vindo a seu encontro solicitar sua volta imediata à corte, para a reunião do conselho de guerra que visava rechaçar as primeiras tentativas de Mordred em tomar Camelot, ao mesmo tempo em que se organizavam as equipes de busca ao Cálice Sagrado. A investigação a respeito da morte de Tristão de Liones teria de esperar até que tudo se resolvesse.

Agora, olhando para a torre que ocupava um pedaço cada vez maior do horizonte, Lancelot pensou que, se fosse homicídio, independente da vontade de Arthur em trazê-lo à Camelot para um julgamento, o culpado pagaria com a vida.

As duas Isoldas, lado a lado, como sempre desde a morte do cavaleiro, teciam a quatro mãos a manta que já media mais de dez metros.

Os olhos azuis de uma refletiam os da outra e há tempos não se ouvia palavra naquele aposento. Nem mesmo quando a bandeira do Dragão tremulou diante de sua janela o silêncio foi quebrado. O emissário do Grande Rei vinha tomar ciência do ocorrido.

Gweyth, senescal do castelo de Blanchemans, surgiu no vão da porta, trazendo cestos abarrotados de flores orientais e iguarias das terras do sul, e curvou-se diante das princesas.

— Senhoras, Sir Lancelot du Lac, Primeiro Cavaleiro da Távola Redonda de Sua Majestade Arthur Utherson Pendragon, Rei da Britânia, Imperador de Roma e Mão de Nosso Senhor na Terra, enviado especial de Camelot, envia saudações e estes presentes. Solicita permissão para adentrar os portões com sua comitiva e, com sua anuência, uma entrevista com a Princesa Regente Isolda des Blanchemans.

Uma das Isoldas levantou a mão direita, ornada por um anel de ouro cravejado. O destino do cavaleiro estava selado. E, em conseqüência, o de todos os moradores daquele castelo.

O vinho era bom. Não tão doce como o da Corte, afinal, Kay recebia seus suprimentos diretamente do palácio do Rei Pescador, onde Parcifal assumira o trono ao se casar com uma das sacerdotisas do Graal e descendente direta de José de Arimatéia. Qualquer alimento advindo da adega do Rei Pescador seria o mais doce do mundo.

Sim, o vinho de Blanchemans era bom. Ligeiramente ácido, excitando a língua e as narinas, trazendo à mente pensamentos soterrados por anos de penitência.

Lancelot entregou o cálice ao pagem que o servia e levantou-se ao ver Gweyth ao pé da escada, no saguão central. A audiência aconteceria como previsto. Estava para nascer o regente que recusasse um pedido de um emissário de Arthur Pendragon, ainda mais sendo esse arauto o famoso Sir Lancelot du Lac, filho da espuma do mar. Mas até lá, os recém-chegados iriam cear e descansar. Os aposentos eram espaçosos e toda a companhia de Lancelot foi alojada em quatro aposentos, deixando a tripulação do navio junto à criadagem. Apenas um homem, Warth, o capitão, ficou a bordo.

Para o Ultramarino, um aposento inteiro foi ornado com as mais belas flores locais, incenso e muitas peles. Depois da refeição, Lancelot deitou-se e dormiu de imediato. Em sonhos, ele, que havia sido perdoado pelo representante de Deus na Terra, reencontrou seus pecados.

A manhã chegou e, com ela, a surpresa. A princesa era duas, iguais como irmãs a não ser pelas mãos. A primeira tinha dedos alvos, a segunda trazia a tez corada, como se exposta ao sol, coisa quase impossível na costa enevoada da Cornualha.

— Perdão, senhoras, — disse com uma pequena mesura que traía sua desconfiança — procuro pela regente Isolda de Blanchemans e Liones, em nome de nosso Soberano Arthur Pendragon.

A mulher pálida acenou levemente com a cabeça.

— Sou quem procura, senhor, mas receio que será necessário ampliar a entrevista para três participantes em lugar de dois. Permita apresentar-lhe Isolda da Cornualha, viúva do Rei Marcus.

Lancelot compreendeu o primeiro mistério. Deveria ter-se informado melhor, mas a ânsia em sair de Camelot, a sede por novas aventuras e a vontade de vingar o amigo trouxeram à tona a ansiedade juvenil e ele saiu sem estudar com Kay e Arthur o histórico documentado do cavaleiro de Liones.

Isolda da Cornualha, esposa do Rei Marcus, tio de Tristão, foi seu grande e indisfarçado amor. Os trovadores cantam que, graças a um filtro mágico, os dois jovens se apaixonaram durante a viagem na qual o então recém-sagrado cavaleiro conduzia aquela que estava prometida como esposa a seu tio e padastro, a quem jurara devoção eterna.

Apesar de inicialmente fiéis a seus votos, os dois sucumbiram à paixão e deram início a uma tragédia da qual nenhum dos três vértices do triângulo saíram incólumes.

Lancelot não podia deixar de lembrar de sua própria vida, de seu triângulo particular. A diferença é que, no seu caso, os amantes colocaram em risco um plano mestre que visava unificar todo o país sob a égide de um único Rei. Alguém que deveria ser perfeito, acima dos males da humanidade. Um Rei que transcendesse o tempo, que fosse eterno. Porém, para o Primeiro Cavaleiro e a Rainha da recém-unida Inglaterra, só havia um sinônimo para Eternidade, e seu nome não era Arthur Pendragon.

No caso de Tristão e Isolda, as coisas foram um pouco mais fáceis, já que o Rei Marcus acabou se revelando um rematado canalha. O casal de infiéis não via muitos problemas em trair a confiança de um rei que não demonstrava caráter, mas ainda assim suas vidas foram cheias de conflitos e desencontros, sendo o pior deles a briga que resultou no casamento de Tristão com a princesa Isolda de Blanchemans, uma mulher que, além do mesmo nome, era tão parecida com sua paixão adolescente que foi fácil desposá-la num primeiro impulso.

Tudo isso estava documentado nos arquivos de Kay, em Camelot, incluindo a morte inglória de Tristão,esperando pela visita de sua Isolda sobre os lençóis da esposa oficial, mas Lancelot não soube de nada, pois estava envolvido em uma busca infrutífera. O Graal já havia sido localizado e assegurado por Parsifal, enquanto o Primeiro Cavaleiro se embrenhava cada vez mais nas terras sombrias sem perceber que a escuridão, muito mais que física, era sinônimo de sua culpa.

Acabou virando heremita e passou dois anos — o tempo do cerco a Camelot — enfurnado primeiro numa caverna e depois num convento. Quando saiu, fraco devido a inúmeros jejuns purificadores, encontrou Arthur envelhecido e Guinevere exclusivamente dedicada à Igreja. Ainda assim, seus serviços eram desejados por ambos.

A Távola Redonda foi reconstruída, os planos mestres de Merlin retornaram à pauta do dia e, lentamente, Arthur, Kay, Bohors, Bleoboris, Gawain, Gaheris e Parcifal, os últimos cavaleiros remanescentes, começaram o processo de revitalização de Camelot. Se funcionasse a contento, em mais três anos tudo estaria de volta ao normal e ainda melhor, com os aprimoramentos tecnológicos idealizados por Merlin.

Mas, infelizmente, Lancelot du Lac não se sentia mais em casa.

Sua dívida com Arthur persistia — e talvez fosse até maior -, mas seu amor pela Rainha transformou-se em azedume, pois considerava-o responsável pela sua incompetência em ascender espiritualmente, como seu finado filho Galahad. Com tantas memórias ruins ligadas àquele lugar, mas ainda preso a um sentido de honra, Lancelot escolheu se tornar um mensageiro, a "mão do Rei" além dos muros do palácio, aquele que leva a justiça do Dragão. Assim, ficaria em paz com sua consciência, mas longe de Camelot e de seus fantasmas, mortos e vivos.

— O que Sua Majestade, o Rei, deseja de nós, Sir? — disse Isolda, a branca.

Lancelot manteve-se imóvel. Não se sentia confortável diante de mulheres.

— O Rei quer saber detalhes sobre a morte de Sir Tristão de Liones, senhora. Com os acontecimentos que abalaram a corte nos últimos três anos, ficou muito difícil estabelecer contato com a Cornualha, mas todos ficaram a par dos acontecimentos funestos que tiveram lugar neste castelo. Assim que foi possível, o Rei me enviou para averiguar e, caso seja necessário, estabelecer uma solução definitiva para o desaparecimento de um cavaleiro que teria sido de grande ajuda nos piores momentos pelos quais passamos.

Isolda, a vermelha, deu um passo à frente.

— O senhor era amigo de Sir Tristão?

— Tristão de Liones foi o único companheiro em armas que jamais derrotei. E isso significa muito mais que mera amizade cortês. Contemplar seu semblante era como mirar um espelho.

As duas mulheres trocaram um rápido olhar. Haveria ironia naquela frase? Não existia nada de semelhante a Tristão naquele homem alquebrado sobre o qual a armadura dançava.

Lancelot estava claramente incomodado, mas a investigação deveria seguir em frente.

— Devo ser sincero, senhoras, e admitir que fico surpreso em encontrá-las sob o mesmo teto.

Isolda de Blachemans respondeu a pergunta implícita:

— As mulheres têm caminhos diferentes dos homens, Sir. Ao chegar aqui, minha irmã Isolda percebeu que, além de amarmos Tristão, compartilhávamos diversas semelhanças. Depois do período de luto, decidimos que era melhor para ambas somarmos a vida como dividimos a morte.

A vermelha continuou.

— A opção seria voltar aos domínios de meu marido Marcus e isso seria intolerável. Antes morar aqui, sob a égide do maior dos cavaleiros, que morrer aos poucos, respirando o mesmo ar que aquele homem abjeto.

O Ultramarino trincou os dentes.

— Senhora, o Rei Marcus arrependeu-se de seus crimes e permitiu, abdicando de seus direitos, que a senhora velejasse até este castelo, maculando a própria honra. É quase uma heresia que, diante de tamanho ato de desapego à hombridade, expresse tais palavras rudes.

A vermelha manteve-se irredutível.

— Ele pode ter-se arrependido, mas daí a perdoá-lo vai uma longa estrada, talvez uma vida inteira.

— Aos monarcas, senhora, permite-se um ou outro erro, pois o peso sobre eles é imensurável. Reis nascem reis, mesmo que nos pareça que não. A nós outros, por outro lado, cabe a humildade.

A branca riu-se.

— E as rainhas, Sir, não serão por acaso dignas de seu perdão? — e posicionando-se ao lado da vermelha, acrescentou — Pois sobre o dever, a lealdade e as agruras das rainhas, o senhor é bem versado, não é verdade?

Se as rugas permitissem, Lancelot teria corado. Sua vergonha, então, era pública e notória a ponto dessas mulheres separadas da corte por quilômetros e ilhadas há tempos, terem perfeita noção de seus pecados. Era hora de recuperar terreno, usar de autoridade.

— Nada sei de tais assuntos, senhora. O que percebo é que há atitudes incomuns em Blanchemans. Um silêncio que permeia as paredes e um segredo que urge ser revelado para que a justiça do Rei possa ser efetuada. Rogo que comprovem a natureza do passamento de Sir Tristão.

— O cavaleiro desconfia que a morte de Tristão tenha sido artimanha maquinada — disse a branca — Mas com que intuito? O que ganharíamos com o falecimento de nosso amado?

Lancelot franziu o cenho.

— O que teriam ganho não consigo atinar, mas sei o que lhe roubaram. Um cavaleiro como ele, morto de outra maneira que não em combate, é uma afronta à Vontade Divina. Assim como eu, o campeão de Liones e Cornualha nasceu para jamais embainhar a espada. Sua própria vida era a lâmina com a qual trespassava os adversários iníquos. Se tivesse de tombar, que fosse numa justa ou em duelo. Deixá-lo morrer na cama foi como matar sua alma junto com o corpo.

As mulheres se entreolharam e Lancelot pôde antever lágrimas silenciosas. Atrás delas, Gweyth, o senescal, abaixou a cabeça.

— Chegou a hora, então — falou a branca — Sir Lancelot compreende a essência do mal que atinge a todos neste castelo. Tendes razão, cavaleiro. Sou a responsável pelo ocorrido com Tristão. Ele adoeceu por amor, pela falta de Isolda da Cornualha, que ao saber de suas agruras, não tardou em embarcar. Eu, porém, movida pelo sentimento de posse, pelo ciúme que consome, não lhe disse que o navio se aproximava e ele expirou infeliz, achando que seu amor não era correspondido. Tivesse eu falado a verdade, meu marido ainda viveria.

A vermelha virou-se para a sósia.

— Não, minha irmã, se há de cair a lâmina sobre alguém, que seja eu. Sou mais culpada que qualquer outro, pois dei ouvidos a intrigas, duvidei dele, de sua imaculada honra, e recusei encontrá-lo por orgulho até o último instante, quando já não era mais possível a salvação.

Lancelot sentia as entranhas em revolução. O suor escorria pela fronte.

— Se as senhoras acreditam que vão me dobrar com esse teatro grego, estão enganadas. A justiça de Camelot se faz urgente e, se a decisão das duas é que sejam punidas em conjunto, assim o será. Por favor, preparem-se para a viagem à Corte. Deste momento em diante, Blanchemans está sob intervenção do Rei Arthur Pendragon. Isolda de Blanchemans, suspeita do assassinado premeditado de Sir Tristão de Liones, cavaleiro da Távola Redonda, está oficialmente detida e à mercê do Julgamento Real, assim como sua auto-proclamada cúmplice, Isolda, Rainha de Cornualha.

Ao final da sentença, o Ultramarino desabou sobre um banco de madeira forrado de peles. Sua tez estava lívida e logo um pagem acudiu.

— Bruxas, o que fizeram? — sussurrou Lancelot — Sinto gosto de bile!

Isolda, a branca, falou sem levantar a cabeça:

— Mil perdões, Sir, mas apesar de admitir a culpa, jamais disse que me arrependia.

Obedecendo a um comando, Gweyth desembainhou a espada. Chefiando a guarda do castelo, composta por vinte homens, assassinaram a comitiva que acompanhava o Ultramarino.

Isolda, a vermelha, gritou:

— Não era para ser assim! Pensei que tínhamos acertado tudo, que nos entregaríamos..

A branca focou os olhos azuis, tristes, enxugou as lágrimas e estendeu a mão, cortando o discurso da outra pela metade. A agulha com a qual tricotava a manta mortuária de dez metros fincou-se no pescoço de Isolda da Cornualha e o sangue tingiu a palidez de seus dedos.

No meio do salão, Lancelot, cuspindo rubro, brandia a espada. Dez inimigos haviam caído na tentativa de derrubá-lo, mas o velho recusava-se a morrer. O décimo-primeiro, não muito certo da própria coragem, mantinha-se a uma distância segura, confiando no desequilíbrio do Ultramarino.

Fingindo desmaiar, o Primeiro Cavaleiro jogou-se para frente e desceu a espada num arco que abriu o covarde da cabeça ao peito. O cadáver caiu levando a espada junto, cravada em seu osso externo, e deixando Lancelot a mercê dos outros nove membros da guarda.

A um gesto de Isolda Blanchemans, imobilizaram o cavaleiro.

— Levem-no ao barco. Que morra no mar e que seu corpo dê um recado ao Rei Dragão. A morte horrível é tudo que aguarda os visitantes de Blanchemans.

E arrastaram Lancelot du Lac.

Warth intuiu de imediato o curso dos acontecimentos quando viu a cena na praia. Era óbvio que todos estavam mortos e que Sir Lancelot ia pelo mesmo caminho. O único curso de ação seria escapar dali, voltar a Camelot e contar tudo ao Rei, pois ele não tardaria a se vingar. Mulher audaciosa, aquela...

Lancelot foi depositado como um saco vazio sobre o convés e o senescal intimou Warth a partir sem demora. O Primeiro Cavaleiro vomitava sangue.

Pilotar o navio sem a tripulação foi exercício hercúleo, mas Warth conseguiu estabelecer um curso estável e, se nada de ruim acontecesse no caminho, chegariam a Camelot sem percalços.

O Ultramarino tinha no máximo, algumas horas de vida. Não chegariam a tempo de salválo.

Ainda assim, seus olhos brilhavam. Ansiava por uma espada.

— Estou em meu elemento, Warth, sobre a casa de minha mãe. Mas não quero morrer como um cão vadio, como um rato que empesteia uma cozinha. Dê-me uma espada, amigo.

Acreditando cumprir a vontade de um moribundo, Warth pegou uma lâmina extra que por ali estava, um aço não muito bom, quase um chuço, e colocou nos dedos esqüálidos.

O suor porejava na testa do cavaleiro quando proferiu a última frase de sua vida:

— Em guarda, amigo Warth. Mate-me em duelo, pelo amor de Deus.

A nau fantasma aportou na costa de Logres dois dias depois.

Os corpos do encarquilhado Lancelot du Lac e do barqueiro Warth, trespassado por uma lâmina, eram recado mais do que suficiente, e Arthur, depois de um dia de luto fechado, partiu furioso com uma frota de dez navios, decidido a esmagar Blanchemans e quem estivesse dentro do castelo.

A nau capitânea e outros dois barcos levavam um arsenal único: uma adaptação fluvial das catapultas romanas, velho projeto de Merlin, levado a cabo por Kay e uma comissão de monges. No bojo dos navios, um mecanismo banhava com óleo a superfície dos projéteis, pedaços esféricos de granito forrados com couro de cabra, e o fogo era ateado segundos antes do disparo, possibilitando às embarcações atingirem com precisão alvos em terra firme.

Da janela de seus aposentos, Isolda de Blanchemans divisou a insígnia real e maravilhou-se.

Deixando uma trilha fumegante nos céus, o dragão voava a seu encontro.




 
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